Aviso Importante:

(O Porto Feminino é um blog sem fins lucrativos, que existe desde 2007. Todos os textos foram escritos por Carolina Miranda, e são portanto de autoria original. Não existe qualquer vínculo entre o Porto Feminino e o Porto Feminino Shop).

28/03/2010

Morangos com Mel

Ainda não escrevi nada sobre a visita do meu irmão, não porque ignorei, mas porque certos assuntos merecem tempo pra que a gente pense com mais carinho, e escolha as palavras com mais zelo.

Meu irmão passou quase duas semanas aqui na minha casa, em Kitchener, ja faz mais de um mês. Foi a primeira vez que ele veio nos visitar, só ele.

Quem nos conhece, sabe que nossa relação não foi das mais simples. Crescemos com muitos conflitos. Como em toda família, a gente cresceu brigando, nossos pais erraram, e nós dois sempre tivemos a nítida impressão de que sabíamos mais do que realmente sabíamos. E assim foi a nossa infância, sempre com uma diferença de 3 anos entre a gente, alargada ainda mais pelas diferenças colossais de personalidade.

A visita do meu irmão foi um marco na nossa relação porque talvez tenha sido a primeira vez em que meus pais não estavam por perto. Talvez por isso, eu pude ser eu, ele pode ser ele. Pela primeira vez, a gente não precisou disputar por atenção (olha eu sou o filho ou a filha melhor), e tão pouco nos sentimos julgados ou esteriotipados ("a Carolina é sempre assim, chata mesmo." "O Rodolfo é um Zé Mané, nunca sabe o que quer"). Foi também a primeira vez que nos relacionamos como irmãos adultos.

Não tinha mais ninguém por perto. Não tinha mãe, não tinha pai, tio, tia, primo, ou prima. Tinha apenas o meu marido (que aliás conta como campo neutro de batalha, o Mike é como a ONU dos Mirandas) e a nossa cachorrinha (que conta como bálsamo pra qualquer ferida - um aconchêgo com a Lola e tá tudo certo).

E foram nesses 10 dias, que conseguimos pela primeira vez, falar sem nos agredir, e ouvir, sem nos julgar. Que fique claro - eu amo meus pais. Amo muito e sei que devo muito de quem eu sou a eles. Mas chega uma hora - a hora em que você está prestes a fazer 30 anos e se questionando se quer ser mãe ou não - que ou você olha pros seus pais com carinho, mas sem filtros, e vê o que fizeram de certo e de errado, ou a passa a vida idealizando como se quando tivésse 10 anos, e não 30. Acho esse rito de passagem importantíssimo, porque só assim a gente realmente perdoa, e também aprende a seguir adiante, sendo quem queremos ser, sabendo que não somos 100% como nossos pais, porém sabendo também claramente de onde viémos.

Meus pais deram muito pro meu irmão e pra mim. Nos deram uma educação exemplar. Nos expuseram pro mundo, nos deram experiências profundas do nosso próprio país e da nossa própria cultura. Nos deram MPB, e John Lennon ao mesmo tempo. Nos fizeram sonhar alto. Porém falharam também, acho que principalmente devido ao fato de terem sido pais tão jóvens... O que não é óbviamente culpa deles... Mas suspeito que muito dos conflitos entre o meu irmão e eu vieram do fato dos meus pais realmente serem tão jóvens, porque quando olho pra trás, eu sinto que faltou paciência, faltou um certo fino trato. Enfim, errar é humano. E meus pais são humanos. E essa foi minha grande sacada, com relação ao meu irmão - que ele e eu somos também humanos. E vamos portanto acertar e errar, mas seguiremos tentando.

Outra parte importante dessa experiência, foi poder passar 10 dias com meu irmão, sem ter que entretê-lo. Não estávamos viajando, não estávamos de férias, não estávamos fazendo jantares especiais. Uma coisa que irônicamente acaba distanciando minha família ainda mais de mim do que a distância, é o fato de que toda vez que estamos por perto um do outro, tem que ter algum tipo de festa ou comemoração, ou alguma viagem como se tivéssemos que fazer um esforço pra que a nossa relação seja celebrada pois é tão raro o nosso encontro. As vezes eu temo que a gente não saiba mais ser família sem estar ou em algum hotel, ou em alguma festa. Desde que me mudei pra o Canadá, são raros os momentos de quietude quando estamos todos juntos.

O fato é que se a quietude parece inicialmente chata e monótona, é nessa quietude, são nesses pequenos momentos de normalidade, que acontecem as reveladoras conversas de cozinha. São esses momentos em que cozinhamos arroz e feijão juntos - no lugar familiar em que tudo está calmo - que muitos laços de família se renovam. Intimidade não acontece em resorts, aviões, ou em lugares novos porque simplesmente há tanta distração por todos os lados que se presta pouca atenção no outro.

Foi por isso que quando convidei meu irmão pra passar uns dias com a gente aqui, convidei sem muitas promessas. Eu ainda estaria trabalhando (apesar de um pequeno feriado) - mas teria bolo e teria família.

E foram nesses 10 dias, com muita conversa na cozinha, que eu fiz com bolo de cenoura, caldo-verde, macarronada, e ele me ensinou que pra comer morangos, tem que ter mel! Foram nesses 10 dias que eu vi meu irmão pela primeira vez com mais clareza e que eu vi o quanto ele tem pra oferecer, mas o quanto ele se sente perdido (aliás, assim como eu já me senti. Acho que o Rodolfo não imagina o como somos muitos parecidos nesse sentido. Nós dois somos cheios de sonhos, temos vários talentos, e ainda assim não sabemos realmente como juntar tudo, ou como focar, o ou que queremos).

Hoje eu sei que uma hora ele se acha, mas o mais o importante é que eu sei que ele sabe que pode contar comigo pro momento em que ele precisar de ajuda pra se achar - porque a verdade é que ninguém se acha sozinho... Hoje eu sei, e espero que ele saiba também, que entre caldo-verde e morangos com mel, a gente vai ensinando um pro outro o que realmente importa.

Carol

22/03/2010

Cuba Libre (pero no mucho)


A viagem pra Cuba finalmente acabou, mas acho que vai levar ainda muitos anos pra eu digerir tudo o que eu aprendi por lá.

Que fique claro desde o princípio: eu fui para Cuba como turista. Quando estava procurando um lugar pra passar minha semana de saco cheio, comecei a procurar lugares de sol e praia, entre o Brasil e o Canadá, pra que pudesse encontrar meus pais no meio do caminho, sem ter que ir até o Brasil direto. A idéia principal, era relaxar. Nunca imaginei que fosse sair de Cuba tão profundamente mudada, tão profundamente tocada. Eu já viajei muito, e pra lugares como a Bolívia, que está em flagelos. Mas nunca, que eu me lembre, um lugar me afetou tanto (pra bom e pra mau) como Cuba. 

Aliás, assim que se confirmou nossa ida para Cuba, me animei muito em tentar contactar o ministério da educação cubana, pra que eu tivesse uma oportunidade de tentar entender melhor esse sistema do qual eu já tinha tanto ouvido falar. Escrevi pra embaixada Canadense, ja que estava viajando como canadense, pra que conseguisse me colocar em contato com alguém que me levasse pra visitar uma escola do ensino fundamental. Com a resposta positiva do consulado, tentei em vão ligar mais de 5 vezes para os números que me foram passados. Ninguém conseguiu entender meu espanhol hoje ja bem enferrujado, pelo telefone. Desisti da idéia, de inicialmente tirar fotos das escolas, dos alunos, pra trazer pro Canadá um olhar sobre um modelo que eu acreditava ser bem sucedido. 

O fim da viagem, se revelou muito menos entusiasta do que o início. Voltei de Cuba com um duro questionamento dos meus próprios valores, em um estado de profunda reflexão sobre minhas próprias ambições. Na verdade, não sei como entrelaçar toda a experiência ainda, porque como eu disse, foi muito recente... Portanto, aqui vão algumas passagens... Alguns momentos que guardei:  

Vou de táxi: 
Uma das maiores oportunidades de conversa sem a temerosa presença da censura política (que o olhar menos ingênuo percebe rapidamente que ainda pesa sobre o país e seus cidadãos) foi pegar de taxi. Ainda assim, muitos taxistas evitam realmente engajar em assuntos políticos, porque temem uma violenta repressão que existe no país. Eu, como sou curiosa, e de certa forma, ingênua também, arrisquei perguntar a muitos deles, o que eles achavam do seu regime, da educação, da medicina. Aliás, ingênua mesmo, porque no início, eu perguntava tudo em boa fé, curiosa pra saber mais sobre essa cultura que eu sempre julguei fascinante. Eu fui pra Cuba, com a certeza de que iria ver um sistema educacional exemplar. Um sistema médico de dar inveja ao Brasil. Pode ser que desde que eu tenha saído do Brasil, a imagem de Cuba ja tenha sofrido um update, mas ao que eu me lembro, nós brasileiros, crescemos ouvindo falar na reforma escolar cubana, e como Cuba tem alguma das melhores faculdades de medicina do mundo. 

Foi então com surpresa, que ao andar de táxi por um total de mais de 5 horas, eu coletei as seguintes frases: 

Ao perguntar um dos taxistas o que ele achava do sistema em geral em Cuba, ele me respondeu: "Senhora, eu sou Cubano. Aqui em Cuba eu não posso achar nada."

"Sabe por que eu sou taxista, dona? Porque assim eu posso sentir pelo menos um gosto pequeno do que seria a liberdade. Eu posso ir e vir pela ilha, sem ser condenado por isso.  E ainda por cima consigo ajudar a quem precisa, porque dou carona - afinal, o sistema público de transporte aqui é praticamente o mesmo de 50 anos atrás"  (e realmente, muitos taxistas, quando tinham lugar sobrando no carro, davam carona para outros cidadãos, porque pra um percurso de um pouco mais de 15 Km, o cubano pode levar até mais de 3 horas, caso espere por um ônibus). 

"Aqui em Cuba os médicos são realmente muito bons, competentes, mas falta medicina, falta equipamento, falta tudo. Pra se fazer uma cirurgia em Cuba, tem que se arrumar um jeito de conseguir seus próprios instrumentos, sua própria gaze... Nos hospitais, não tem nada, moça. E os médicos, coitados. Ganham $600 pesos por mês" (o que equivale a mais ou menos $24 dólares, ou $20 pesos convertíveis, que é a moeda oficial para turista - sim, em Cuba, existem duas moedas, um pros habitantes, outra pros turistas). 

Olhar, e ouvir: 
Depois de tanto andar de taxi entre sábado e quarta-feira, já era pra eu ter me dado conta da situação que se encontra o povo cubano, mas mais importante ainda, eu ja tinha que ter me dado conta que existem certas perguntas que talvez os cubanos não respondam, ou pior.... Que talvez ofenda intimamente o ego daqueles que são a favor da revolução, e do regime militar imposto pelos Castros. Ingenuamente, e na minha cede de compreender mais esse país, continuei perguntando. Descobri que em Cuba, ninguém sai e quem entra, não tem o passaporte carimbado, pra que não dê problemas com outras imigrações, como a dos Estados Unidos. O que fez sentido, porque quando parei pra pensar, Cuba realmente não tem imigrantes no Canadá, nem no Brasil. Descobri (ao olhar pelo lado de fora) que vários dos prédios de Cuba, inclusive os de suas tão famosas universidades de medicina, de seus hospitais, e suas escolas, estão velhos e defazados. Vi esses prédios, escuros pelo lado de fora... Como escombros. Descobri que em Cuba, apenas o turista tem realmente acesso a internet, e esse acesso é extremamente controlado, com a necessidade de número de passaporte, nome, endereço, e com horários bem anti-turistas que estão lá pra aproveitar os dias ensolarados. Geralmente abriam as 9 da manhã e fechavam as 6 da tarde.

Mêdo de morte:
Foi na quarta-feira passada, dia 17 de Março, dia de St. Patrick aqui no Canadá, que pegamos um tour com uma van, dirigida pelo motorista Pedro, através da agência estatal Cubanacan. Fizemos o demorado tour que nos levou até Santa Clara, para vermos o mausoléu do Chê, e depois, fomos até Trinidad, onde se encontra uma linda cidade histórica, com artesanato rico, e muita arquitetura colonial. A ida da viagem foi muito mais longa do que tínhamos imaginado, durando um percurso de 4 horas. Na volta, tínhamos pedido pra que o Pedro, nosso motorista, não passasse na última cidade do tour, Cienfuegos, e nos levasse direto pro hotel. Foi aí que a viagem realmente começou a mudar. O Pedro no começo nos pareceu bastante compatriota, bem pro-revolução mas de certo modo, não vimos perigo nisso. De manhã, o Pedro passou por Cárdenas, no exato horário em que o menininho Elián Gonzalez estava sendo levado pra escola, escoltado por mais de três policiais. Na verdade, eu nem conhecia a história, até então. Porém, agora quando penso a respeito, acho que foi uma estranhíssima coincidência que Pedro tivesse parado justamente na frente da casa do tal menino, para nos mostrar justamente a hora em que estava sendo levado pra escola. Enfim, na volta, Pedro ignorou nosso pedido de que não passássemos na última cidade do tour, e nos levou até lá, assim mesmo. Dirigiu pela cidade, mostrando prédios famosos, e então seguimos de volta para Varadero, por uma rota que não foi a mesma inicial. 

Foi então, ja lá pelas 7:30 da noite, que realmente nos demos conta de que Pedro estava nos levando por lugares sombrios da região. Escuros, e dos quais não saberíamos sair nunca. Pra piorar a situação, ele não saia do celular, se comunicando frenéticamente com outras pessoas, e ao que percebemos agora, com a intenção de dar coordenadas pra que essas outras pessoas chegassem até nós. As 8 da noite, ele entrou um um terreno baldio, na beira da estrada, e outra van se aproximou com outros dois homens. Com um mêdo profundo do que podia acontecer, eu resolvi lembrá-lo de que eu havia deixado um bilhete na recepção do hotel, com o seu nome inteiro (e que talvez por trauma, hoje não me recordo), com a companhia de viagem da qual ele fazia parte, e com o nosso nome e número de quarto. Pausadamente, mas muito nervosa, eu disse a Pedro - praticamente querendo dizer, olha... Se alguma coisa acontecer conosco, você vai ser o primeiro suspeito. Diz o meu pai, que estava sentado no banco da frente (aliás, pronto pra puxar a direção) que foi ai que o tal do Pedro começou a suar, e foi nesse momento que a outra vanzinha, com os dois outros homens, ao receber um olhar indecifrável do Pedro, se foram. Foi ai também, que Pedro resolveu colocar o carro na estrada, finalmente em direção a Varadero. Chegamos no hotel as 8:40 da noite, completamente transtornados (deveríamos ter chegado as 6:30, com a mudança de planos de não fazer o tour da última cidade). Chorei muito, sem entender realmente o que aconteceu, e fiquei completamente traumatizada, mas sabia que eu deveria agradecer a Deus, por ter protegido a todos nós. 

Tínhamos um show do Buena Vista Social Club a noite, ao qual eu inicialmente havia desistido de ir. Mas me vinha uma voz no pensamento (e na orelha também, pois o Mike contribui sempre, muito, pro meu processo de restauração) que dizia: não deixe eles ganharem. Não deixe eles ganharem. E foi assim, que suada, fedida, e com diarréia ainda do trauma, tomei um copo imenso de whisky e fui assistir ao Buena Vista Social Club mesmo assim. Fui andando, a noite, com o meu marido. E ganhei. 

La Habana:
O dia seguinte foi tenebroso. Meu trauma, minha ansiedade, minha gastura... Tudo estava me deixando completamente neurótica, inclusive ao ponto de me permitir comentários completamente envergonhosos, de cunho racista, por mêdo de um povo ao qual eu não mais sentia poder confiar, pelo qual eu me senti traída. Justo eu, que sempre quis ir pra Cuba, aprender, entender... Ver. Bom... Eu vi. 
Quando chegamos em La Habana (dessa vez fomos de ônibus coletivo mesmo) eu consegui relaxar um pouco mais. Visitamos lugares históricos, lugares lindos e lugares feios. Em geral, passamos uns três dias em La Habana. Comemos muito bem, dançamos, rimos, ainda com uma profunda tristeza pairando no ar. Visitamos o decepcionante museu da revolução - um prédio (na minha opinião) tão ilusório quanto os próprios valores que representa para seu povo. Um símbolo exemplar da revolução com uma faixada linda por fora, e completamente decadadente por dentro apesar de seu potencial evidente. 

Fomos aos mercados, almoçamos nos pátios floridos e ensolarados, vimos um circo colorido passar. Compramos charutos, como todo bom turista, compramos arte, como todo bom turista e claro, rum também. Mas não perguntamos uma só vez - pra mais ninguém - o que achavam do sistema, qual a situação pensamento sobre as escolas, os hospitais. Nunca mais, nem uma só vez, falamos de política alguma, e nunca mais perguntamos sobre Elián Gonzalez, ou sobre a escritora militante contra a revolução, Yoani Sánchez. Resolvemos jogar o jogo nacional, em território nacional: o silêncio. Além do mais, depois que o Pedro tinha nos levado para o bairro de Santa Marta, próximo a Varadero, essas situações e suas imagens ficaram muito evidentes e frescas em nossa mente. 

Um Peixe é só um peixe: 
Como disse uma artista jovem, com a qual conversamos brevemente numa das galerias de arte que visitamos, o povo cubano pode ser comparado a um peixe no aquário. Um peixe é só um peixe. Não fala, não anda... Bóia. Ali, sozinho, isolado, dentro de um mundo de mentira. 

Quem voltou pra casa foi outro eu: 
Ao voltar ontem pra casa, ainda estou lidando com os traumas que passei. Uma das profundas questões que me atingiu, foi da importância da democracia e da educação. Sempre pensei que os pilares principais de qualquer sociedade  fosse a educação e a saúde. Porém, sem liberdade de escolha, de expressão, sem voz, podemos ter um corpo saudável, mas com a mente de um zombi. Passei a olhar com ainda mais carinho, o meu papel de educadora, como agente de pensamento crítico, e de criatividade mas antes de tudo, de liberdade e responsabilidade. Compreendi que não podemos viver sem a democracia, e que com ela precisam vir responsabilidades e valores éticos muito fortes, para que nossas escolhas sejam responsáveis, e que elas não sejam egoístas. 

Miranda's rights:
Eu sei bem dos "meus" direitos. De que tenho o direito de permacer calada, e que qualquer coisa que eu venha a falar, pode vir a ser usada contra mim. Porém a verdade é a seguinte: eu sou uma cidadã Canadense, e Brasileira. Eu sou uma cidadã exatamente dos dois países com os quais Cuba mais negocia. A verdade é que eu também sou professora primária, e que o meu projeto de vida é cada vez mais aprender sobre os melhores modelos de educação do mundo, para que eu possa ser cada vez uma professora melhor. Foi ao escrever esse posting, que me perguntei se de repente, na tentativa de me comunicar com o ministério da educação de Cuba, eu os afrontei - completamente sem querer. Se de alguma forma, tudo isso que se passou com o Pedro, se passou porque eu ja estava desde a minha vinda, sendo monitorada pelo sistema - não me surpreenderia, visto a história de espionagem pela qual são famosos. 

A verdade é que os cubanos não sabem que em outros lugares desse mundo, existem governos que tomam conta dos seus velhos, das suas crianças, e que oferecem várias iniciativas sociais, sem que para isso custe a nossa alma. A verdade é que eu moro num desses países e que o Brasil já está indo pelo mesmo caminho. 

A verdade é que essa guerra não é minha. A minha guerra é melhorar o sistema educacional de onde eu esteja morando, e eventualmente, sonho em contribuir para a educação brasileira. O meu desejo, é um dia voltar com muitas idéias, e conseguir investir no meu país, que tanto me deu. A verdade é que essa vivência num país sobre o qual eu sempre fantasiei, deixou uma marca profunda em mim. 

A triste verdade, é que eu nunca mais volto em Cuba. Por mêdo, e por decepção. 

Carol

15/03/2010

Mojitos...

Sol, praia, sol, praia, mojitos... Mojitos, sol, praia... AH!!! Cuba!
Estamos de ferias, escrevendo do hotel, onde a internet custa 3 pesos convertidos por 15 minutos. Tenho 5 sobrando.

Quero apenas dizer que sol faz bem, desestressa, e produz vitamina D. Tomem sol!!

Quero dizer tambem que mojitos, tambem fazem bem... Tomem mojitos...

E mais tarde, quando chegar em casa e estiver com o meu laptop, com a minha internet, eu escrevo mais impressoes detalhadas da nossa estadia em Cuba. Com acento e tudo.

Por enquanto, fico aqui so pra dizer que essa semana, estarei de folga, com muito sol, aproveitando familia, tomando mojitos, e comendo muito.

Buenas...
Carol

08/03/2010

8 de Março

Pensei muito antes de escrever qualquer coisa sobre o "Dia Internacional da Mulher", porém finalmente concluí que não há como não ignora-lo num blog que se preza justamente em ser voltado em "ser" mulher, em ser feminino.

O problema que eu tenho com o um dia internacional dedicado a mulher, é que se pararmos pra pensar, existem 365 dias no ano. E 50% da população mundial é composta de mulheres. A matemática é simples: quem, como e quando se dedicou apenas um dia para todas as mulheres desse mundo? Se houvesse realmente igualdade social no mundo, metade do ano seria "nosso". Metade dos parlamentos também seriam nossos e não menos de 6% no mundo. 

Ao mesmo tempo que eu aceito um dia dedicado para a reflexão da importância e do papel da mulher no mundo, não tenho como não ficar inconformada com a falta de seriadade que nos é dada nos outros 364 dias do ano. Até mesmo nesse dia simplista, já vi muita gente "comemorando" dando uma flor pra esposa, irmã, namorada... Vamos ser sinceras - eu gosto de flor, mas flor planto eu. O que as mulheres realmente precisam é de condições de trabalho que se equipararem profissionalmente ao homens, oportunidades de escolha, chances para participarem em decisões centrais - de casa e do país.

As mulheres brasileiras ocupam menos de 10% do ministério público, sendo que possuem 51% dos votos. O Brasil ocupa o quarto lugar no ranking mundial de pornografia infantil (o que é 98% um problema entre homens). No Brasil, as mulheres ainda ganham 30% menos que os homens, em cargos de chefia. A licensa maternidade ainda é de apenas 6 meses (o que  aumentou recentemente, mas que ainda está longe de ser o suficiente pra se estabilizar uma família). E finalmente, no fim de 2009 o Brasil caiu 9 posições no ranking mundial de igualdade entre os sexos, e passou de ruim pra pior. Não se engane: o Canadá não está assim tão melhor...

Pra ser bem sincera, eu trocaria qualquer exaltação do meu sexo, e qualquer dia internacional dedicado ao meu gênero, pelo poder de decisões igualitárias no meu dia a dia mundano, como por exemplo, a possibilidade da existência de creches públicas, pra que as mulheres passem a ter oportunidades e escolhas de trabalho mais justas. Ao invés de uma flor, eu escolheria escolas públicas, em período integral.

A mulher no Brasil ainda está muito longe de atingir sua autonomia - e não me refiro apenas a autonomia profissional ou financeira. Atingimos uma certa igualdade no sentido de que nos permitimos ser mais como os homens. Mulheres hoje são bem vindas num campo de futebol (mas ai delas que não sejam "gostosas" porque senão são automaticamente tachadas como "barangas"). Mulheres podem ser fortes, usar calças, "catar" outros homens, ficarem bêbadas - porém, é como se estivessem lutando pra ser mais como os homens, em tudo aquilo que os homens tem de pior. O que eu sempre me pergunto é: por que não lutar pra sermos mais mulheres? Aliás, por que não lutamos todos nós, homens e mulheres, pra sermos melhores indivíduos? Aliás, eu sempre tive pra mim que a liberação sexual feminina no Brasil  desencadeou uma falsa e ilusória versão de feminsmo; uma pseudo-liberdade. Mas enfim, isso é outro longo posting... 

A autonomia a que me refiro vem cercada de respeito social. De poder ser o que tiver vontade de ser, com dignidade e cabeça erguida. De ser dona-de-casa por escolha, sem ser sujulgada por isso. De fazer bolos, ou bordados, sem que essas coisas sejam perjorativamente tachadas como "coisas de mulher".  De ter influência nos governos e em decisões políticas, sem que isso seja "coisas de homem" e automaticamente exclusivas. 

Pra mim, feminismo é justamente isso: o dia em que ser mulher basta, em que ser mulher não necessita explicação, ou licensa. O dia em que eu possa ser mulher com a mesma dignidade de qualquer homem, independente do que eu resolva escolher como caminho de vida - ser mãe ou não, ser profissional ou não, ser mãe e profissional, ou não, não ser mãe e ser feminina, e qualquer outra combinação que vá além das limitadas referências sociais muitas vezes pré-impostas.

Então fica aqui minha sugestão - já que está, então temos que usar o dia 8 de março pra pelo menos refletir sobre quem somos, e qual o papel que queremos desempenhar. Porém é preciso cautela pra lembrar que se realmente quisermos atingir um respeito social real entre os sexos, temos que ter bem claro que o resto do ano, ou pelo menos metade dele, esses restantes 181 dias, também pertencem a nós independente do que diga qualquer calendário e que a mulher não precisa de um dia internacional de celebração ou reconhecimento. Lembremos que o "dia internacional da mulher" é só isso: um dia. 

Então fico aqui esperando (e sonhando) que vários outros dias venham a ser divididos igualmente, com dignidade e respeito, entre homens e mulheres do mundo... 

Carol