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28/03/2010

Morangos com Mel

Ainda não escrevi nada sobre a visita do meu irmão, não porque ignorei, mas porque certos assuntos merecem tempo pra que a gente pense com mais carinho, e escolha as palavras com mais zelo.

Meu irmão passou quase duas semanas aqui na minha casa, em Kitchener, ja faz mais de um mês. Foi a primeira vez que ele veio nos visitar, só ele.

Quem nos conhece, sabe que nossa relação não foi das mais simples. Crescemos com muitos conflitos. Como em toda família, a gente cresceu brigando, nossos pais erraram, e nós dois sempre tivemos a nítida impressão de que sabíamos mais do que realmente sabíamos. E assim foi a nossa infância, sempre com uma diferença de 3 anos entre a gente, alargada ainda mais pelas diferenças colossais de personalidade.

A visita do meu irmão foi um marco na nossa relação porque talvez tenha sido a primeira vez em que meus pais não estavam por perto. Talvez por isso, eu pude ser eu, ele pode ser ele. Pela primeira vez, a gente não precisou disputar por atenção (olha eu sou o filho ou a filha melhor), e tão pouco nos sentimos julgados ou esteriotipados ("a Carolina é sempre assim, chata mesmo." "O Rodolfo é um Zé Mané, nunca sabe o que quer"). Foi também a primeira vez que nos relacionamos como irmãos adultos.

Não tinha mais ninguém por perto. Não tinha mãe, não tinha pai, tio, tia, primo, ou prima. Tinha apenas o meu marido (que aliás conta como campo neutro de batalha, o Mike é como a ONU dos Mirandas) e a nossa cachorrinha (que conta como bálsamo pra qualquer ferida - um aconchêgo com a Lola e tá tudo certo).

E foram nesses 10 dias, que conseguimos pela primeira vez, falar sem nos agredir, e ouvir, sem nos julgar. Que fique claro - eu amo meus pais. Amo muito e sei que devo muito de quem eu sou a eles. Mas chega uma hora - a hora em que você está prestes a fazer 30 anos e se questionando se quer ser mãe ou não - que ou você olha pros seus pais com carinho, mas sem filtros, e vê o que fizeram de certo e de errado, ou a passa a vida idealizando como se quando tivésse 10 anos, e não 30. Acho esse rito de passagem importantíssimo, porque só assim a gente realmente perdoa, e também aprende a seguir adiante, sendo quem queremos ser, sabendo que não somos 100% como nossos pais, porém sabendo também claramente de onde viémos.

Meus pais deram muito pro meu irmão e pra mim. Nos deram uma educação exemplar. Nos expuseram pro mundo, nos deram experiências profundas do nosso próprio país e da nossa própria cultura. Nos deram MPB, e John Lennon ao mesmo tempo. Nos fizeram sonhar alto. Porém falharam também, acho que principalmente devido ao fato de terem sido pais tão jóvens... O que não é óbviamente culpa deles... Mas suspeito que muito dos conflitos entre o meu irmão e eu vieram do fato dos meus pais realmente serem tão jóvens, porque quando olho pra trás, eu sinto que faltou paciência, faltou um certo fino trato. Enfim, errar é humano. E meus pais são humanos. E essa foi minha grande sacada, com relação ao meu irmão - que ele e eu somos também humanos. E vamos portanto acertar e errar, mas seguiremos tentando.

Outra parte importante dessa experiência, foi poder passar 10 dias com meu irmão, sem ter que entretê-lo. Não estávamos viajando, não estávamos de férias, não estávamos fazendo jantares especiais. Uma coisa que irônicamente acaba distanciando minha família ainda mais de mim do que a distância, é o fato de que toda vez que estamos por perto um do outro, tem que ter algum tipo de festa ou comemoração, ou alguma viagem como se tivéssemos que fazer um esforço pra que a nossa relação seja celebrada pois é tão raro o nosso encontro. As vezes eu temo que a gente não saiba mais ser família sem estar ou em algum hotel, ou em alguma festa. Desde que me mudei pra o Canadá, são raros os momentos de quietude quando estamos todos juntos.

O fato é que se a quietude parece inicialmente chata e monótona, é nessa quietude, são nesses pequenos momentos de normalidade, que acontecem as reveladoras conversas de cozinha. São esses momentos em que cozinhamos arroz e feijão juntos - no lugar familiar em que tudo está calmo - que muitos laços de família se renovam. Intimidade não acontece em resorts, aviões, ou em lugares novos porque simplesmente há tanta distração por todos os lados que se presta pouca atenção no outro.

Foi por isso que quando convidei meu irmão pra passar uns dias com a gente aqui, convidei sem muitas promessas. Eu ainda estaria trabalhando (apesar de um pequeno feriado) - mas teria bolo e teria família.

E foram nesses 10 dias, com muita conversa na cozinha, que eu fiz com bolo de cenoura, caldo-verde, macarronada, e ele me ensinou que pra comer morangos, tem que ter mel! Foram nesses 10 dias que eu vi meu irmão pela primeira vez com mais clareza e que eu vi o quanto ele tem pra oferecer, mas o quanto ele se sente perdido (aliás, assim como eu já me senti. Acho que o Rodolfo não imagina o como somos muitos parecidos nesse sentido. Nós dois somos cheios de sonhos, temos vários talentos, e ainda assim não sabemos realmente como juntar tudo, ou como focar, o ou que queremos).

Hoje eu sei que uma hora ele se acha, mas o mais o importante é que eu sei que ele sabe que pode contar comigo pro momento em que ele precisar de ajuda pra se achar - porque a verdade é que ninguém se acha sozinho... Hoje eu sei, e espero que ele saiba também, que entre caldo-verde e morangos com mel, a gente vai ensinando um pro outro o que realmente importa.

Carol

2 comentários:

Lili disse...

Que delicia... inspirador!
Eu vou adorar passar um tempo na cozinha com vc, Mike e Lola, so batendo papo e 'catching up'... it has so long that we don't talk...
:-)

Patrizia disse...

LINDO!!!! LINDO!!!! LINDO!!!!
que profundo!