Aviso Importante:

(O Porto Feminino é um blog sem fins lucrativos, que existe desde 2007. Todos os textos foram escritos por Carolina Miranda, e são portanto de autoria original. Não existe qualquer vínculo entre o Porto Feminino e o Porto Feminino Shop).

20/09/2010

Da minha "plenitude", só eu entendo...

Quando eu fui ao Brasil visitar minha família nesse meio do ano, houve em geral uma grande surpresa (como era de se esperar) sobre a minha gravidez. Todos a nossa volta ficaram extremamente felizes com a notícia, pois um neném novo na família é sempre motivo de muita celebração. E claro que é. Uma vida nova é um milagre novo nesse mundo. Quando eu páro pra pensar na complexidade e na dividade que há na formação de qualquer vida (não só a do ser-humano) eu fico mesmo perplexa.

Com isso, vêm também todas as celebrações da gravidez, especialmente no Brasil, e eu diria muito mais do que em qualquer outro lugar. Existe no Brasil uma cultura que aqui se apelidou de "yummy-mummies". As mulheres grávidas ficam "lindas" porque estão grávidas. Elas reluzem! Elas atigem a sua "plenitude" como ouvi de muita gente.

Que eu deixe claro o seguinte: eu respeito - e muito - o milagre da vida. Eu também aprecio muito o fato de que mulheres grávidas tenham o espaço pra se sentirem lindas e não menos atraente do que se sentiam quando tinham 15Kg a menos. Mas eu me irrito profundamente, com as expectativas (as vezes irreais e um tanto opressoras) que existem ao redor de uma mulher grávida, e acho que tudo isso deve começar a ser sériamente repensado.

Em nossa sociedade ocidental, existe uma necessidade de se achar rótulos: verdades e receitas que se apliquem pra todos e que servem quase como uma receita pro sucesso. Na verdade, eu acho que é uma necessidade de narrativa comum, ou uma necessidade de se explicar o caos em que muitos de nós vivemos. Essas "verdades" geralmente vem cheias de um contexto cultural e mudam de país pra país, e refletem a imagem ideal da pessoa, do núcleo familiar, da dinâmica ecônomica e do lugar que devemos ocupar na sociedae, etc. Por exemplo: uma das "verdades" quase que inquestionáveis dai do Brasil, é que "a mulher grávida atinge sua plenitude", que "a gravidez é o maior presente que Deus pode dar pra uma mulher".

Eu ouvi isso de tanta - TANTA - gente, que não tem como eu não comentar. Pra início de conversa, que queria saber quem foi que inventou essas "verdades" e em que século ele viveu, porque eu tenho certeza que foi um homem e que deve ter vivido lá pelo século 19. Será mesmo que uma mulher em pleno século 21 só se sente plena ao ter um filho?

Eu não tenho como generalizar nada, nem comentar o que é certo ou errado pra cada um, mas eu tenho como dizer o seguinte: essa frase definitivamente não se aplica no meu caso, e eu gostaria muito, mas muito mesmo, que as pessoas fossem mais sensíveis ao entender que como cada ser humano vem nesse mundo com uma trilha única, é impossível que essas verdades se apliquem a todos eles... Senão não seríamos únicos, certo? E certamente, verdades tem que ser re-avaliadas com o tempo, e pessoas talvez as vezes necessitem de espaço pra achar a sua própria verdade.

No Brasil falta isso: espaço. Espaço pra conversarmos sobre gravidez mais sinceramente. Espaço pra mulheres serem o que realmente quiserem ser. Se elas se sentem plenas sendo mães, maravilha. Se não, seria legal saber que não vão ser menos mulheres por tentar encontrar outro caminho.

No meu caso, quando eu fiquei grávida, o meu primeiro trimestre foi um saco! Eu não conseguia cozinhar, não conseguia comer, vomitava sempre, me enchi de espinha, estava sempre cansada, meus hormônios bagunçaram completamente minha vida emocional e fiquei mais sensível que noiva em dia de casamento (e todo o dia!). Também tampouco queria saber de sexo, e toda vez que eu tinha ataques de espirro (porque tenho muita alergia a pó) ou tossia mais forte, eu fazia xixi nas calças, porque já não conseguia mais controlar minha bexiga.

Plenitude? Eu vou ser muito, muito sincera: o mais perto que eu ja cheguei de sentir qualquer sensação de estar plena em mim e no meu ser, foi no Algarve em Portugal. Eu comia frutos do mar, na beira do Oceano Atlântico, sentindo uma brisa morna fazer cócegas no meu pescoço, enquanto meu marido ficava ali do meu lado, olhando o mundo e contemplando os mistérios do céu e da terra comigo. E bebíamos vinhos deliciosos, feito ali mesmo no Algarve, enquanto eu escrevia poesia no meu caderninho, esperando ansiosa o céu completamente estrelado que caía diante de nós, com uma quietude serena no ar e a promessa de uma noite sensual e plena.

Se eu ouvisse mais uma pessoa impondo em mim a expectativa de que eu me sentisse plena eu acho que mandava o indivíduo ou a indivídua as favas. Eu estou grávida e estou extremamente feliz por isso, mas eu nunca, nunca duvidei sequer por um segundo, do trabalho árduo que vem com o contrato que a gente faz com Deus em se ter um filho. E eu detesto romantizar o que é muito óbvio: gravidez é um momento sensível - e único - em que tudo muda, dentro e fora da gente. E só quem está passando por ela, sabe mesmo que está sentindo. Existem mulheres com três filhos que tiveram experiências completamente diferentes durante as três vezes em que estiveram grávidas. Existem mulheres que se sentem absolutamente plenas, sem dúvida. Mas existem também mulheres que detestam estar grávida, mas que ficam se sentido isoladas, e sufocadas, porque Deus as proteja se elas ousarem ser sinceras a respeito de sua experiência longe da plenitude esperada (e muitas vezes imposta) pela sociedade Brasileira. E ai não duvido que elas sofram não só de depressão pós-parto, mas depressão pré-parto.

Eu sempre soube por exemplo, mesmo antes de ficar grávida, que eu não sou o tipo de mãe que vai querer ficar em casa. Aliás, eu acho que se isso acontesse, eu seria uma péssima mãe e entraria em depressão e seria então um estorvo pro meu próprio filho. Tem mulher que não, pelo contrário, se recusa a voltar a trabalhar, e descobre na maternidade tudo o que sempre procurou. O que eu estou querendo dizer é que existem vários seres-humanos nesse mundo e que cada um sabe do que precisa pra seguir adiante e pra se sentir pleno, ou plena, refletindo sobre as nossas necessidades, e como podemos seguir adiante da melhor maneira possível, sem arrependimentos.

No meu caso, graças a Deus a gravidez mesmo tem dado uma trégua no segundo trimestre, e eu estou começando a me sentir mais comfortável. Voltei a cozinhar sem vomitar ao sentir o cheiro de legumes cozidos, passei a comer de novo com gosto, passei a sentir a neném mexer o que pra mim é extremamente excitante (mas nem sempre prazeroso), e passei a me acostumar com meu corpo desengonçado. Tenho também tentado "me encontrar" na minha condição de grávida e de futura mãe e pra isso, escrevo um diário pra minha filha, em que conto histórias de família, ou descobertas que tenho feito com a própria gravidez.

Mas eu estaria mentido se eu dissesse que só isso basta. Há algumas semanas atrás, eu andava num super baixo-astral, quase que depressiva mesmo, porque não consegui nenhum emprego fixo como professora, e não tinha nenhuma perspectiva de avanço profissional ou intelectual e isso me deixou quase pirada. E o pior, passei a carregar um sentimento de culpa intenso, porque afinal de contas, minha bebê está saudável e bem, então como eu ousava querer mais? Ou me sentir insatisfeita?

Foi ai que eu comecei a perceber que a fórmula não se aplica, e que a gente só pode descobrir mesmo o que precisa, quando passamos a refletir nas nossas próprias experiências e com sinceridade. E pra mim, pro meu balanço mental e pra minha plenitude, é óbviamente necessário que outros aspectos do meu ser sejam exercitados, além de exercer o papél de mãe. E reconhecer e apreciar isso é extremamente importante não só pro meu bem pessoal, mas porque é também um exemplo de auto-conhecimento e auto-aceitação que eu espero passar pra minha filha (seja íntegra e ouça o que está dentro de você, pois só você guarda as suas respostas).

A verdadeira sensação de plenitude vem (eu acho) da sensação de balanço e paz interior que existe (em muitas vezes momentáriamente) de se estar presente e se sentindo completa. Isso muda de pessoa pra pessoa e mesmo em cada pessoa, o que é ser pleno muda de acordo com o que está vivendo, com o tempo e lugar em que se encontra.

Hoje posso dizer que me sinto plena. Estou satisfeita com a gravidez, meu bebê é saudável, e estou cercada de pessoas que amo. E apesar de não ter conseguido um emprego, consegui uma vaga num programa de Mestrado em Educação, que é algo que tem mes estimulado extremamente, e me dado muito prazer, pois tenho refletido muito, e escrito muito.

Eu espero que ao dividir minha história, eu tenha pelo menos dado licensa pra qualquer mulher que saiba que sua verdade é um pouco, ou muito diferente daquela que é imposta pela cultura patriarcal brasileira, que existe sim muitas outras mulheres que não se encaixam ou se identificam com apenas um modo aceitável de plenitude. Que Deus manda diáriamente, vários presentes divinos na nossa vida, e que ter um filho é apenas um dele - e pra algumas mulheres nem é o presente certo... Existe sim, um espaço pra você encontrar e traçar o seu próprio caminho. E quanto mais mulheres decidirem relatar suas histórias, e se permitirem apenas ser sinceras, outras tantas vão achar mais espaço, e quem sabe um dia, mudem-se inclusive as expectativas do que é ser mulher. Quem sabe um dia, simplesmente não criemos mais expectativas, e simplesmente passamos a aceitar com honestidade, que cada um se sente pleno da sua maneira.

Porque como já disse Keats, "beleza é verdade, e verdade é beleza".

Carolina

A hora é sempre essa. Não existe outra.

Estou a essa altura, devendo dois postings pro Porto! Desde meu último texto, tantas coisas mudaram que nem sei por onde começar. Mas... Como eu disse no texto anterior, aqui na América do Norte, Setembro traz um cheiro de renovação, de mudança, de frutas frescas de outono. Uma coisa muito importante, e que altera completamente o rumo das minhas reflexões do meu blog, e que estou devendo já há alguns meses pra qualquer leitor que páre por aqui, é dividir o fato de que meu marido e eu estamos esperando nosso primeiro (e talvez único) filho. Na verdade, filha. Estou grávida de cinco meses, e não revelei o acontecido antes, por várias razões: primeiro porque quando tudo aconteceu, eu confesso que fiquei chocada. Feliz, porém chocada. E segundo porque logo depois disso entrei de férias, e precisava realmente do Santo descanso, como já comentei. Como tanto do meu questionamento no ano passado disse respeito justamente ao fato de eu me permitir ou não ficar grávida, acho que muitas pessoas podem querer a saber como foi então que eu resolvi? A resposta mais sincera na verdade é que eu não me resolvi. Eu vi que quanto mais eu me questionava, mais eu pensava, mais eu ponderava, mais eu rodava em circulos, e não chegava em lugar nenhum. Então a única decisão que eu realmente foi largar tudo e deixar Deus tomar um pouco das rédeas da minha vida. Dividir as responsabilidades com Ele. Fiquei pensando "e se eu nem puder ter filho?" Chega uma hora que a gente percebe que quanto mais controle a gente quer ter, menos a gente tem. E com isso vem uma humildade plena de saber que o que tiver que ser vai ser, então o melhor é mesmo se entregar pra vida. Quem também está se perguntando se eu esperei pela "hora certa" pra me entregar pra vida, a resposta é não. Eu ainda não tenho um emprego fixo, ainda não fiz minha carreira do jeito que eu quero, ainda não tenho meu Mestrado (ou meu doutorado) e ainda tem muita, muita coisa que eu quero fazer nessa vida. Mas ai entrou outra questão - quanto mais eu analisava e tentava adivinhar qual seria a hora certa, menos eu encontrava qualquer dica de quando isso seria. Como eu tenho muitos sonhos pessoais, parecia nunca haver uma brechinha de tempo sobrando pra me comprometer com um ser-humano da minha própria criação pelos próximos 25 anos (como disse uma amiga minha). Então percebi que a hora certa não necessariamente existe... Mas que eu corria o risco de acabar só com a hora errada. Eu tenho 29 anos (por isso posso contar com um pouquinho mais de tempo), mas meu marido já tem 47. E ai me deparei com um jogo de xadrez contra o tempo em que ou eu ou ele uma hora, iríamos dar um xeque-mate. Enfim. O que posso dizer é que acho que não deu nem três semanas depois de eu ter "largado tudo" e engravidei. Talvez um mês... O que eu costumo dizer é que Deus correu pelo céu procurando alguma alma que quisesse se implantar no meu ventre enquanto ainda tivesse tempo, porque Ele sabia que se eu voltasse a pensar novamente, talvez a oportunidade passasse... E deve mesmo ter sido um corre-corre lá no céu. E agora, cinco meses depois, estamos esperando uma menininha... E que vai ser muito amada e bem-vinda, e que vai mudar a nossa vida de vez, pra sempre, sem dúvidas. Como esse é realmente meu primeiro texto em Setembro de 2010, fico por aqui. Já nesses cinco meses, muitas coisas mudaram, muitas coisas me fizeram pensar e a impressão que tenho é que já existe material pra eu escrever um livro inteiro, imaginem então um blog. Mas por hora, fico por aqui com a seguinte (sincera) mensagem: pra qualquer pessoa que venha a ler meu blog e que como eu me senti, se sente perdida, rodando em circulos, eu te desejo paz. Eu espero que uma hora você tome a coragem de parar de rodar, de parar de querer controlar tanto o seu próprio caminho e que você se permita deixar ser guiada por uma força maior de um mistério tão profundo, que nunca teríamos a capacidade de reproduzir com nossas próprias mãos. Pra você, talvez isso signifique se permitir carregar um filho. Pra um outro você, talvez isso signifique largar tudo e viajar pela India. Para um outro você, isso talvez signifique largar um emprego que odeie, só pra conseguir abrir uma outra porta e ver o que está te esperando do outro lado. Mas de qualquer forma, o importante é parar de rodopiar. E tentar (nem que seja de vez em quando), se deixar levar. Carolina

04/09/2010

De volta ao batente

Esse é o primeiro fim de semana de Setembro em 2010, e com isso, o ano aqui no Canadá atinge um marco meio renovador: a volta as aulas. Uma das coisas mais estranhas que encontrei por aqui, foi essa sensação de que o ano começa em Setembro (e não em Janeiro, depois das lindas festas de Reveillón brasileiras). Aqui a coisa é muito menos glamurosa... Mas acho que existe também um indicativo natural e que acaba regulando o relógio biológico da gente, que é o fim do verão. Setembro traz de volta o cheiro de outono, o som das folhas caindo nas ruas, o ventinho gelado, e a fumaça das lareiras tradicionais que ainda não foram substituidas por lareiras a gás. Com o fim do verão, aparece também a introspecção necessária pra se seguir adiante com um blog como esse. Percebi ao voltar a escrever, que nos últimos meses que estive fora, meu blog foi lido por várias pessoas pelo Brasil a fora, e muita gente de outras nações de língua portuguesa. Confesso que fiquei extremamente surpresa e honrada. Pra esses novos leitores, que apareceram aqui durante o verão norte-americano, eu peço desculpas por não ter escrito nada durante dois meses. Como vocês já podem imaginar, o verão aqui é intenso e rápido. Dura no máximo 3 meses. E eu, pra ser muito sincera, estava precisando de uma grande dose de vitamina D. Me dei essa folga, essas férias, pra viver fora de mim um pouco. Pra ver, sentir, cheirar, pensar... Enfim, e agora estou aqui. De volta ao batente. E trago mil novidades e reflexões que ja se formaram durante o verão mesmo, e que aguardo ansiosa pra dividir com quem quiser seguir navegando, e aportando comigo. Então, como diria a heroína Liz, e Comer, Amar e Rezar: Attraversiamo! Que venha um novo ano pro Porto Feminino. Até logo mais, Carol

27/06/2010

Malabarismos pra qualquer hora, e não só pra hora certa

Na sexta a noite, fiquei conversando com uma amiga minha querida pelo Facebook. Fazia tempo que a gente não se "encontrava" e infelizmente tivemos que cortar a conversa porque o Mike precisava da corda do computador pra terminar um trabalho (a gente fica nesse malabarismo com a tal da corda pros dois laptops, porque a Lola comeu a outra corda). Enfim, depois que disse tchau, meio apressadamente, no ápice da conversa, fiquei pensando... Ela lá, empacada com seu mestrado, aflita com o mundo, e como ela mesmo descreveu, vivendo quase que numa bolha. E irônicamente na sexta a tarde, antes de eu sequer imaginar que ia encontrar minha amiga online, me emocionei o voltar pra casa do trabalho, pensando em como a minha vida pode ser melhor, em como eu posso viver mais livremente, se eu me permitir. E compreendi que essa liberdade de (como colocou minha amiga) "saber flutuar" é assustadora. Na sexta a tarde, eu tive uma reunião com uma Doutora de educação a qual eu estava pensando em contactar ja fazia quase dois anos. Por qualquer razão que eu não entendo, eu fiquei postergando essa decisão - talvez tenha sido falta de confiança em mim mesma de que eu não estou pronta pro mestrado, talvez tenha sido mêdo das reviravoltas que essa decisão traria pra minha vida. Eu finalmente resolvi escrever pra ela, porque ouvi rumores de que talvez ela estaria se aposentando em breve! Não queria perder a chance e morrer de arrependimento. Na nossa reunião, conversamos sobre as minhas idéias (ainda bem vagas) sobre um possível mestrado, mas também senti uma obrigação de ser honesta com ela desde o começo e coloquei que há a possibilidade de eu engravidar e ter um filho no meio do mestrado, e eu entenderia se ela não quisesse trabalhar comigo. Pro meu alívio, a minha proposta de gravidez combinada ao mestrado não pareceu assustar a mulher com quem eu estava conversando. Muito pelo contrário - ela me parabenizou pela decisão de ir adiante com minha vida, disse que ela mesmo tinha três filhos, e que a vida é assim: a gente vai alterando as bolas do malabarismo uma a uma (me lembrei da Lola que vive me ensinando essas lições). Quando voltei pra casa, antes de encontrar minha amiga online, fiquei pensando em tantas possibilidades que eu joguei fora, rejeitei mesmo, com a esperança de esperar que a hora certa chegasse. Talvez isso venha com a idade... Não sei. Mas eu sei que quando cheguei em casa, me senti grata, e cheia de satisfação porque pela primeira vez, eu estou disposta a não me preocupar em controlar os acontecimentos da minha vida. Aliás, acho que essa foi a minha grande descoberta essa semana (e que muitos de vocês devem estar pensando - nossa, demorou!), mas eu passei a aceitar que se eu quiser mesmo ser feliz, e me abrir pra vida, eu tenho que parar de tentar controlar tudo ao meu redor, e começar a simplesmente administrá-la melhor de acordo com algumas escolhas que ainda me cabem. Quanto mais a gente tenta controlar os resultados, impor condições do que precisamos pra viver e pra ser, mais a teimosa vida se recusa a desenrolar, a desenvolver como que nos ensinando com irônia a lição de que temos que ter mais respeito e humildade com relação ao Divino e ao mistério. Mas se aceitamos a vida, e ainda assim vamos adiante sem desistir, então ela se revela. Agora, não estou falando de catástrofes, de politicas... Como por exemplo aceitar as bárbaridades que acontecem no mundo todo o dia. Não, eu não fecho os olhos pra elas, mas esse posting não é sobre "essa" vida. Estou me referindo a vida interna, não a vida coletiva social. Estou me referindo ao núcleo familiar que temos e formamos, e a vida individual que nos propomos levar adiante. E pra minha amiga (e pra quem mais leia esse texto), fica aqui um desejo: desejo que você se permita, sem se impor tantas regras, tantas condições. Viver, como ja foi dito, ultrapassa qualquer entendimento. Se libere e se abra sem expectativas, dando sempre o melhor de si, porque talvez outras possibilidades estão esperando pra se mostrar pra você, mas você não vai ver se continuar teimando em olhar pra vida do jeito que você quer vê-la. Deixe que o mistério se revele, e a vida se mostre. Respire fundo, reze, vá sempre adiante, mas seja humilde. E você vai ver que a sua generosidade com você mesma vai ampliar e trazer uma generosidade maior ao seu redor. Foque sua energia no que você pode mudar, e deixa que o resto simplesmente aconteça. Com carinho, Carol

21/06/2010

Karma e Copa do Mundo

Como boa brasileira que sou (apesar de muitos ainda duvidarem), não deixo de seguir a Copa do Mundo! Queira ou não queira, goste ou não goste, eu fui criada pra apreciar toda a emoção que vem com evento mundial; cresci com a selvagem e doentia noção de que se não é o Brasil segurando a taça, o resto é resto. Certas coisas ficam no sangue... Mas fanatismo a parte, assistindo a Copa daqui do Canadá, e já (um pouco) desentoxicada de toda a efervecência que vem em estar ai no Brasil, eu tenho notado muitas coisas interessantes, e relações karmicas, que tem me feito pensar que talvez o hexa va ser mesmo nosso... Vejam só... Por exemplo, reparem no desastre da Seleção Francesa. Aquilo está parecendo um galinheiro. E cada vez que eu vejo mais uma pena voando pra tudo que é lado, não tem como eu não lembrar da empurradinha de mão que os levou pra essa Copa - e fico remanescendo - será que não estava claro de que não era mesmo pra eles estarem ai? Apertaram tanto a barra que talvez tenham cavado a própria cova. E se Newton estava certo pras moléculas mínimas da matéria, como não pensar que a lei de ação e reação não exista em planos maiores, talvez simplesmente de moléculas mais espaçadas que se relacionem mais com o tempo e com o espaço... Nesse fim de semana, assistindo ao jogo do Brasil e da Costa do Marfim, de novo, Karma se provou mais uma vez infalível. Aquele gol de mão descarado do Luís Fabiano, me deu um frio na espinha. Eu tinha certeza de que a gente ia sofrer as consequencias e de que aquilo ia claramente se voltar contra o Brasil. Dito e feito. Dali há pouco lá estava o Kaká sendo expulso do campo, da forma mais ignorante possível - e justo o Kaká, que ao que me parece, é um dos poucos super-atletas que não só não deve ter conta nenhuma pendurada com Deus, mas se bobear, ainda tem algum crédito. Mas é justamente aí que entra a conta positiva do Kaká com Deus: se pararmos pra pensar, já nos classificamos pras oitavas, Kaká precisava de repouso, e no fim, como o resultado contra Portugal não conta, talvez (irônicamente - ou karmicamente) o tal do cartão vermelho tenha saído melhor do que a encomenda, apesar de ter sido um susto grande. Karma existe... Veja também a história do Dunga e da Globo (que eu tenho acompanhado de longe, e mesmo assim parece um românce longo). Não tenho como não deixar de pensar que depois de tudo que a Globo fez com esse indivíduo (e fique aqui claro, eu nem gosto e nem desgosto do Dunga, mas é incontestável que o cara ganhou ja muito mais título do que perdeu), que agora o Dunga vem com tudo (Fifa defendendo e tudo mais) e justo o Dunga (quem diria há 8 anos atrás), faz a mega-potência, corrupta da Globo, literalmente ficar de boca calada... Karma? Enfim, depois de todas essas reflexões, não tenho como deixar de olhar pro Maradona com um sorriso de Monalisa... Maradona que tem se portado muito bem até então, sido correto com a mídia, cordial com os outros times, democrata em suas palavras, parace ter feito seu time ressurgir das cinzas como uma fênix. Agora, se eu não estou enganada, nem Newton, e Karma vai mesmo cumprir sua ordem cósmica, então espero que a Argentina de Maradona chegue mesmo na final. Vou torcer muito! E tenho a impressão que dessa vez, Deus dá uma "mãozinha" pra o time oposto... E qual melhor "templo" (como diz meu marido), mais sagrado nesse mundo atualmente, do que o campo de futebol que abrigará a partida final da copa de 2010 - aliás, número místico, número de soma 3... E se 3 é a metade de 6, e se isso significa mesmo alguma coisa, de repente a gente tem mesmo que engolir o "tri" Argentino, porque ai ganhamos a de 2014 também, pois afinal 2+0+1+4 = 7... Hepta? Karma existe minha gente... Vocês vão ver - e quem sabe dessa vez, o Kaká receba uma outra mãozinha de lá de cima (o que não é improvável, já que como eu falei, o cara tem surplus com Deus)... Torcendo pro Hexa, com a nova Era Dunga (porque "Ka-kárma", existe...) Carol

13/06/2010

A herança do Pão de Queijo

Eu nunca fui uma cozinheira de mão cheia. Na verdade, quando me mudei pro Canadá, eu mal sabia ferver leite... Me empenhei muito nesses últimos sete anos pra poder tomar conta de mim, me nutrir, e me abri não só pra os sabores da culinária, mas também pros prazeres que traz cozinhar. Agora, tenho que ser sincera: não foi fácil sair do armário pra esse meu novo amor. Mulher na cozinha pra mim sempre foi um símbolo de tudo que eu não queria ser na vida, e que contradizia toda a minha perspectiva feminista. Porém, sem minha mãe por perto (que cá entre nós, fazia o arroz e feijão de cada dia, mas nunca associou prazer com cozinha) sem o bandeijão da USP, e sem nenhum restaurante por kilo por perto, ou eu aprendia a cozinhar, ou a coisa ia ficar muito feia... Comprei vários livros, me dediquei a ler blogs, e percebi a beleza que existe no ato de se preparar uma refeição. Foi como se eu tivesse me permitido atravessar pelo espelho, e um mundo inteiro se abriu diante de mim. Um mundo de cores vivas, de infinitas texturas, de tradições antigas, de riqueza cultural, e claro, de sabores mil. Claro que cozinhar todo dia estressa. Tem vezes que não sei o que vamos comer no jantar, e colocamos uma pizza congelada no forno. Mas hoje, quando eu me proponho a cozinhar, eu me rendo e foco nos prazeres, ao invés de me debater com a tarefa (talvez menos árdua pra mim do que pra outras mulheres, uma vez que meu marido querido sempre cuida da louça). A importância da cozinha ficou nitidamente clara pra mim neste último fim de semana. Faz já um mês, eu estou salivando pra comer um pão de queijo quentinho. Não existem muitos lugares aqui em Ontario em que se encontram pão de queijo - talvez em Toronto, com um pouco de sorte. Geralmente minha mãe manda uns pacotinhos de mistura preparada pra pão de queijo mas esses acabaram e como estou indo pro Brasil em breve pra uma visitinha, eu achei que aguentaria esperar. Ingenuidade minha. Na sexta a noite não aguentei - ou eu comia um pão de queijo, ou eu ia sair do sério. Liguei pra todas as padarias portuguesas e brasileiras da região - nenhuma tinha o meu pãozinho. E foi então que meu marido sugeriu que eu procurasse uma receita na internet... Agora, eu ja tentei procurar uma receita... Desde que cheguei, um dos meus maiores desafios em fazer pratos brasileiros é saber a tradução exata dos ingredientes. Com o pão de queijo não foi diferente - faz sete anos que eu procuro uma tradução exata pro "polvilho azedo" e não acho (senão eu ja teria feito o tal do pão de queijo há muito tempo). Pois graças a Deus o google se exapende cada vez mais, cada dia que passa, e foi ai que encontrei a descrição exata do que é o polvilho, que é nada mais, nada menos do que fécula de mandioca. É como a maizena está pro milho... BINGO! E fécula de mandioca em inglês é nada mais, nada menos do que "manioc flour". Sim! Tantos anos, e a tal da manioc flour estava ali o tempo todo, só eu que não tinha ligado os pontinhos... Mas não importa. O importante é que no sábado mesmo fui comprar o tal do polvilho, e mandei brasa na receitinha bilingue que eu achei de pão de queijo. Quanto mais eu amassava a massa, mais certeza eu tinha de que finalmente eu tinha ganhado o prêmio máximo da culinária. O meu marido - cauteloso e cuidadoso como sempre, estava preocupado com o tamanho da minha antecipada excitação, com mêdo de que eu me desapontasse (como ja me desapontei tentando fazer requeijão, e rocambole de doce de leite). Mas pra o meu profundo prazer, os 12 pãezinhos de queijo que eu tirei do forno ficaram lindos e deliciosos! E foi assim que na sexta-feira a noite, sentamos eu e o Mike pra tomar um cafézinho com leite, e comer pães de queijos fresquinhos, com manteiga e com queijinho (o mais próximo do requeijão nosso que eu consigo achar aqui). Mas o melhor de tudo, foi ter percebido que se um dia nós tivermos mesmo um filho ou filha, eu vou poder criar nosso filho ou filha com pães de queijos quentinhos, saídos do forno e essa herança não tem preço. Fica aqui então, a minha profunda gratidão a minhas avós que me ensinaram a gostar de acarajé e foular, e a minha mãe que sempre fez um bolinho de cenoura ou de côco no fim de semana. Não sei se um dia eu vou poder passar nenhuma dessas tradições culinárias adiante.. Mas vou fazer o possível pra que - onde quer que eu esteja - eu passe adiante pelo menos um pão de queijo, e um arroz e feijão dentre outras heranças que não tem preço. Pra quem ler esse post, por favor esqueça as calorias, esqueça a culpa, e saborei um pãozinho de queijo por mim. A vida é uma só, e começo a notar cada vez mais que os prazeres mais simples são os que carregam mais histórias, mais verdades, e mais sabores. Carol

01/06/2010

Em homenagem a Lola (e ao Kenny, ao Raja, ao Dickie, e ao Sheike)

Na semana passada, eu li um artigo no Globe and Mail, jornal renomado de Toronto, sobre uma história de família. A autora contava como a sua cachorra Lily, a ensinou a ser mãe. No Brasil, poucos entendem o meu profundo respeito, e amor infinito pelos meus "filhos" de quatro patas. Outro dia conversando com a minha mãe sobre a possibilidade de ter filhos, ela comentou algo sobre ter uma família de três. Talvez pra surpresa da minha mãe, eu respondi: não mãe, o dia que a gente tiver um filho, a nossa família vai ser composta por quatro indivíduos - Eu, o Mike, o neném, e a Lola (que vai ser a irmã mais velha). Se eu conheço minha mãe pelo menos um pouco, ela deve ter balançado a cabeça e pensado: "só a Carolina". Mas não sou só eu que tenho o meu cachorro como um membro da família como outro qualquer. O meu amor pela Lola não é compensação. É um amor dedicado, e de respeito a criação divina. Quando eu olho dentro dos olhos da Lola, uns olhos pretos profundos, redondos, cheio de ternura, eu me lembro da bondade que ainda existe nesse mundo. A Lola, na sua condição de cadela, faz com que eu ofereça pro mundo o melhor que existe em mim de humano. Eu tive cachorros quando eu era criança, mas quando eu era pequena (e bem pequena, porque tivemos cachorros até sairmos do Rio, quando eu tinha nove anos) meus pais eram mais donos dos cachorros do que eu e meu irmão, e não preciso dizer que o amor deles pelos caninos não era exatamente como o meu (já naquela época, eu preferia mil vezes o Raja e o Dickie do que algumas pessoas que vinham na nossa casa). Hoje, quando eu olho pra trás, e penso nos meus cachorros de infância e no Kenny, eu tenho memórias e marcos importantes de vida, que se concretizaram ao redor dos meus amigos peludos. O Kenny aliás, faz parte (assim como a Lola, claro) da parede que dedicamos a fotos de membros da família - avós, pais, irmãos, sobrinhos, e como não podia faltar: caninos. A Lola me ensinou que nenhum dos meus móveis (babado, ou roído) vale mais do que um carinho; que eu sou responsável pelo bem-estar do meu cachorro tanto de dia, quanto a noite (mesmo que isso signifique acordar as duas da manhã pra ter que abrir a porta pra Lola ir fazer xixi); me ensinou que eu tenho gastos (a conta veterinária do ano passado foi quase uma passagem pro Brasil!) que vão além dos meus desejos supérfulos; me ensinou que sair de sexta-feira a noite é um privilégio (acontencimento raro, mas que hoje eu valorizo e por nenhum momento eu tenho como garantido). Mas o mais importante, os meus cachorros me ensinaram a ter paciência, a respirar fundo, a sorrir, a rir, a ser mais light, a amar sem expectativas, a demonstrar carinho, a aceitar carinho (mesmo que venha cheio de baba), a limpar cocô (de onde quer que seja - quintal ou sala), e que vômito vem sem aviso prévio, onde quer que seja (e sou eu, como a "gente grande" de casa, que limpo). Soa remotamente parecido com o que sabemos de maternidade? Pra quem quiser ver o artigo original, eu coloquei o link aqui no meu post - Lily: a história no Globe and Mail. Vale a pena. A história é triste, mas muito bonita. Pra quem ama cachorros, gatos, passarinhos, tartarugas, mas se sente pressionado por pessoas que questionam o amor pelos animais (diante de tanta miséria humana no mundo) eu digo: mantenha-se forte. No meu ver, amor é infinito e incondicional e me sinto uma pessoa mais feliz por escolher amar mais - o meu amor pela Lola não exclui o meu amor por crianças, velhinhos, ou causas humanitárias. Aliás, amor se multiplica... É só a gente se permitir. E quanto mais amor nesse mundo já tão triste, melhor. E o dia que eu tiver filho, a Lola vai ter um papel fundamental na vida dessa criança, sendo parte integral de lições sobre generosidade, carinho, paciência, cuidado, e amor. Aqueles que ja deram um cheiro na orelha de um cachorro, sabem do que eu estou falando. Se não é o seu caso, espero que uma hora você se permita deixar sentir esse carinho que vem dos amigos do reino animal.. Acredite, uma lambida molhada pode trazer um sorriso, e um sorriso pode fazer toda a diferença... tchAU-tchAU Carol

23/05/2010

Rumi, Tagore, Gibran

Faz duas ou três semanas eu tive uma vontade insana de ler os poetas místicos do oriente médio. Geralmente, os meus livros favoritos são aqueles que me escolhem como leitora, e não o contrário. Sempre foi assim - livros que eu escolho ler porque tenho curiosidade, ou porque ouvi falar serem bons, dão sorte se são lidos até a metade. Agora, livros que me escolhem (que por um motivo completamente abstrato e irracional me causam um desejo comparável ao de mulher grávida) geralmente parecem ter esperado por mim o tempo todo.

Existe um sabor diferente ao abrir esses livros. É uma experiência quase tão prazeroza como devorar um pote de doce-de-leite caseiro mineiro depois de dois anos morando num país que não conhece doce-de-leite. Se equipara a comer queijo-fresco, ou lambuzar a boca de requeijão. Quando eu leio os livros que me pediram pra lê-los, eu me lambuzo sem ter que pedir desculpas.

Na maioria das vezes, esses livros me trazem sinais, lições que só naquele momento eu estou pronta pra ver, pra ouvir, pra sentir. Normalmente (apesar de não ter nada de muito normal nisso tudo) são livros que se encaixam perfeitamente com o momento que eu estou vivendo.

Outra coisa que passei a reparar é que os livros que me escolhem, aqueles que realmente causam o impacto de um meteoro aterrizando em mim, são livros de poesia ou de não-ficção, de resenhas. Raramente me encontro tão envolvida num livro de ficção, e parece que quanto mais o tempo passa e mais velha eu fico, menos paciência eu tenho pra ficção. Lembro de três que me marcaram nos últimos três anos - só.

E é assim que estou me deliciando no momento com Mowlana Jalaluddin Rumi, Rabindranath Tagore, e Khalil Gibran.

Esses poetas são conhecidos aqui no Canadá como poetas místicos. Os grandes temas de suas poesias são geralmente o mistério do amor, da vida, da morte, e de Deus. A simplicidade e a beleza com que escrevem me faz refletir muito sobre minha própria vida. Aceitar o mistério através da presença do silêncio humilde diante da grandiosidade do poder absoluto é outra lição sempre presente nessa coleção de poesia magestral.

Fica aqui meu posting da semana... Não muito reflexivo, mas com a sincera e humilde vontade de dividir com quem estiver lendo o Porto, algo realmente profundo e de muito mais beleza do que qualquer coisa que eu venha a escrever.

Paz,
Carol

20/05/2010

Encruzilhadas...

Foi difícil escolher sobre o que escrever essa semana. Fiquei tão pensativa, e pra falar a verdade, até esse último segundo, enquanto o computador abria a página de posting do blog, eu achei que iria escrever sobre amizades, na verdade, em como amizades mudam (e as vezes acabam...) com o tempo.

Mas no fundo, eu percebi que a semana inteira o tópico era um só: encruzilhadas. São esses momentos na vida que a gente sabe que tem tantos caminhos pra escolher, tantas possibilidades, e que escolher um desses caminhos significa deixar pelo menos outros três, e então ou a gente tem fé e coragem, ou não. Pode até ser que as outras trilhas (que foram deixadas pra tras em certo momento) cruzem de novo com o caminho que a gente escolheu seguir, mas a verdade é que não saberemos nunca e só tem um jeito de descobrir o que estar por vir: continuar indo. Continuar andando. 

No fundo, eu acho que a gente se depara com encruzilhadas o tempo todo: na vida amorosa, no trabalho, na vida familiar, na vida social... 

Na vida amorosa por exemplo, lembro bem do momento em que realmente saquei o que significava estar casada pra mim. Infelizmente, essa revelação no meu caso pelo menos, veio uns três anos depois de eu já estar casada oficialmente... Mas o meu casamento mudou mesmo quando eu percebi que escolher uma pessoa pra se passar o resto da vida, é no fundo, uma aventura muito maior e mais profunda (e mais incerta) do que quando a gente começa um novo relacionamento com uma nova pessoa. 

Nos relacionamentos que estão começando a pessoa pode ser novidade, mas a sequência de eventos da relação é completamente repetitiva. Namorei umas tantas pessoas, e quando eu olho pra trás, o começo era sempre o mesmo: excitante, quase obsessivo! Mas o fim eminente também era sempre muito familiar... Quando passei por maus bocados no meu casamento, e quando o barco quase afundou de vez, a gente resolveu tentar de novo. Casamos de novo. Dessa vez, só eu e meu marido, sem festa, só com uma canoa e um casal de castores que estavam fazendo a casinha deles e que serviram de testemunha... Escolhi a trilha longa da encruzilhada... Cansei de rodar em círculos.

Existe algo infinito, incerto, e de certa forma assustador sobre o ato de se passar uma vida inteira do lado de uma pessoa. Mas uma coisa eu digo com certeza (hoje): não existe rotina. Simplesmente porque com dois seres-humanos envelhecendo juntos, tudo pode mudar a qualquer momento. Então casamento é um exercicio constante de renovação, de eterno entendimento. As pessoas mudam. Todo mundo muda. Acho inclusive um pouco ingênuo achar vamos continuar sendo sempre os mesmos. 

Amizade é assim também. Todas as minhas amizades mudaram com o tempo. É impossível não mudar - nossa vida muda, toma rumos diferentes, as pessoas crescem, tomam decisões importantes, alteram valores, reavaliam quem são... E com isso algumas amizades se distanciam, outras se aproximam.  O difícil é saber como mater as portas abertas pros amigos que estão distantes no momento. Essa é outra encruzilhada.

Ultimamente tenho lidado com isso. Tenho duas amigas aqui por quem tenho muito carinho e respeito, mas que no fundo, fizemos escolhas completamente diferentes e nossa vida não podia estar mais distante. O problema mesmo nem é a distância que nos separa, mas é o quanto uma das minhas amigas se deixou consumir por uma energia negativa, uma auto-piedade que pra ser sincera, testa a minha paciência. Aliás tem uma coisa que hoje pra mim é fundamental em qualquer prospecto de amizade: a capacidade de que o amigo em potencial tem de honrar suas próprias escolhas, de se responsabilizar por suas ecruzilhadas. 

Isso não quer dizer que não podemos mudar de idéia no caminho. Claro que sim. Mas ai com certeza, é um momento em que nos vemos diante de outra encruzilhada, é um momento de se reavaliar, e talvez continuar no mesmo caminho, ou seguir outra rota. 

Como esse blog tinha por intenção inicial discutir o meu empasse, a minha encruzilhada de querer ou não ter filhos, não tem como eu deixar de fazer aqui um paralelo. Eu acho que ter filhos é uma dessas encruzilhadas que Deus põe na nossa frente. No fim, o importante é escolher um caminho e aceitar a escolha com dignidade - enxergando a beleza que esse caminho tem pra oferecer. 

Tem gente que diria que esse papo soa demais com resignação. Eu discordo. Resignação tras em si um aspecto triste, uma idéia de que viver em arrependimento é necessário. Eu discordo profundamente. Eu acho que na fúria de tentar sempre achar algo novo, algo perfeito, algo supremo, nós perdemos duas coisas: a paciência que realmente precisamos pra viver, e a capacidade de nos comprometer, de honrar nossas escolhas a longo prazo.

Enfim... Qualquer que seja sua encruzilhada, eu te desejo paciência e coragem o suficiente pra não olhar apenas pra tras e ficar pensando nos caminhos não cruzados. Que você tenha consiga ver o que está ao seu redor, no caminho escolhido. 

Continuemos todos caminhando...  
Carol

08/05/2010

Comprometida (Committed)

Mais uma vez, estou me deliciando com o livro mais novo de Elizabeth Gilbert - Committed (ainda sem tradução em português). Dessa vez, a autora de Comer, Rezar, Amar tenta refletir, analizar, entender, e fazer as pazes com a instituição do casamento.

O livro não fez muito sucesso aqui ainda, desde que foi lançado em Março desse ano. Mas se pararmos pra pensar, o tremendo sucesso de vendas de Comer, Rezar, Amar também não foi imediato. Tampouco foi um sucesso de crítica logo em seu início de vida.

Elizabeth Gilbert escreve mais uma vez, com uma vontade voraz de entender as bagunças de seu próprio coração e da sua própria geografia. Ela é despretenciosa e em nenhum momento tenta convencer o leitor de que sua proposta é avaliar a instituição do casamento ao ponto de revolucionar os estudos antropológicos ou sociais a respeito.

A proposta do livro é simples: uma mulher traumatizada por relacionamentos,  recebe um cheque-mate na vida quando o amor que ela finalmente escolheu é barrado pelas autoridades americanas de entrar no país, e a única solução que lhes é dada é o casamento. Assim se inicia então mais uma grande busca: achar humildade suficiente pra fazer as pazes com a mesma instituição que quase lhe comeu a alma um livro antes.

Como fez em Comer, Rezar, Amar, Gilbert se propõe a buscar um sentido pro momento em que esta vivendo onde for possível: amigos, parentes, conversas, yoga, e muitos livros sobre a teoria e a história do casamento (soa parecido?).


Committed, é só isso: um livro em que a autora reflete sobre si mesma, seus relacionamentos, durante uma busca incansável por sentidos, numa linguagem simples, e por vezes, hilária! E justamente na sua sinceridade simples, sua linguagem coloquial, e fatos interessantes aprensentados de maneira informal, a gente sente que está re-encontrando uma velha amiga! Retomando a conversa desde a última vez que nos vimos, e dessa vez sobre uma nova etapa na nossa vida.

Eu aposto que assim como seu livro anterior, o sucesso de Committed vai acontecer por recomendações de mulheres que sabem que casamento não é tarefa fácil e que é preciso muito jogo de cintura, bom humor, e reflexão pra se seguir adiante. A escritora é honesta em todas as páginas, e em nenhum momento pinta um casamento cor-de-rosa, mas também não pinta o apocalipse.

Jovens que ainda não são casadas, talvez não se empolguem tanto com essa "sequencia", mas eu garanto que o livro é delicioso (e traz um certo alívio) pra qualquer mulher que se vê debatendo com as questões do casamento - casar ou não casar, eis a questão. Ficar casada, ou não? Eis outra questão.

Uma das críticas que eu li é que "Liz" tenta ser um pouco socióloga, um pouco antropóloga e acaba não sendo nada. Eu discordo. Em nenhum momento, ela se propõe em apresentar uma tese sobre a história ou as implicações sociais do casamento e quem escreveu isso pegou o bonde andando.

Os fatos que ela escolhe dividir com seus leitores são bastante inteligentes, e pertinentes, mas a verdade é que eu nunca vou ler uma tese de doutorado sobre as origens Cristãs do casamento. O que Gilbert faz, é digerir e dividir algumas informações sensíveis sobre a história do casamento como se estivéssmos sentadas pra um bate-papo no Frans Café em São Paulo.

Ela faz isso de tal forma que toda essa conversa escolarizada tem finalmente uma chance de talvez passar a fazer parte das conversas de seus leitores (mulheres de classe média entre 25 e 40 anos, casadas ou contemplantes do casamento e que tem outras coisas pra fazer além de estudar a origem do casamento).

Eu tenho certeza que eu não vou ser a única leitora a me identificar com a autora nessa sua nova empreitada. E aprecio a sua generosidade em querer dividir comigo a sua busca em entender pelo menos um pouco mais (o pouco que nos é necessário na vida do dia-a-dia) o quão complicada é a questão de casamento, e como estamos todas no mesmo barco.

Aliás, pra mim, essa é a melhor parte de Committed. A sensação de que eu não estou sozinha e que minhas angústias e dúvidas da vida casada são divididas com mulheres que nem conheço. Existe um alívio nisso tudo, uma possibilidade de identificação e de um entendimento do qual eu acho que ainda não falamos muito abertamente.

Se você é como eu, "ajuntada" ou casada, jovem, feminista, e não liga pra o que os críticos do New York Times tem a dizer, então é uma livro que eu recomendo!

Boa leitura!
Carol

28/04/2010

Pros visitantes de Moscow

Queria expor o fato de que logo depois que eu voltei de Cuba, e escrevi sobre todo o acontecido infame, eu recebi dois visitantes de Moscow no meu blog!

Moscow!

Os outros pontinhos na Europa eu até que consigo explicar. Tenho amigas vivendo na Itália, na Suécia, na Noruega. Mas em Moscow? Não que eu saiba. E eu acho coincidência demais ter dois leitores justamente do único outro país aliado a Cuba na sua doentia farsa comunista.

Então fica aqui minha mensagem pros leitores de Moscow - eu os monitoro tanto quanto vocês me monitoram, e agora todos os meus leitores sabem da sua existência também.

до свидания
Carolina

Retificando as reticências...

Eu re-li meu texto, depois que ele ja estava no ar... E tem uma coisa que eu preciso expressar melhor: não é a função do ator, ou a profissão, que carrega a vaidade da qual que estava falando. Era a minha relação com essa função que não era saudável. A química entre eu e a profissão de atriz não funcionava, principalmente porcausa da minha vaidade. Eu conheço atores generosíssimos. Aliás, uma das minhas amigas de infância mais queridas, a Paulinha, é uma das atrizes mais gentis e de coração aberto que conheço. A função de ator me fazia sentir no centro das atenções, mas não que isso aconteça pra todos que optem por esse caminho. Como eu disse, o duro é achar o caminho certo. A Paula, aliás, é uma das poucas pessoas que conheço que foram como flecha ao alvo desde o começo.

Eu li o blog da minha prima Thais hoje, e ela fala justamente desse sentimento que a incapacita de ser genuina com a ela mesma. Eu me identifiquei muito com o texto, porque eu tenho a impressão que estou sempre competindo com a vida, com o tempo, comigo mesma e quem estiver ao redor. Competindo por status, por carinho, por dinheiro, por atenção, por reconhecimento, etc. E o pior de tudo é que eu acho que isso é um traço muito mais feminino do que masculino e acho que é doentio, patológico mesmo, e beira a obsessão compulsiva.

Mais triste ainda mesmo é perceber que as coisas pioraram com os anos - ou no mínimo não mudaram. Eu tenho assistido ao seriado Mad Men (que no Brasil é mostrado pela HBO). É uma desgraça ver que os dilemas das mulheres da época do seriado - inicio de 1960 em Nova Iorque - são os mesmos de tantas mulheres de hoje (inclusive os meus)! E olhe que meu marido é um anjo, comparado aos homens do seriado... E se os homens então não podem servir diretamente como variáveis nessa equação, qual seria então a variável? O que causa tanta ansiedade em tantas mulheres hoje? O que causa tanto sentimento de auto-frustração e decepção?

Um amigo meu, o Brandon, ja me disse que ele acha que o maior problema das mulheres são as próprias mulheres. Vai ver ele tem uma certa razão nisso tudo. Eu pessoalmente tenho o dom de complicar a minha vida sempre que possível. Quando aparece a menor oportunidade, eu complico. E complico bem. Ou fico remoendo tudo o que ja estava complicado. Ou fico temendo o que estar por complicar. Um talento e tanto, se pararmos pra pensar - mas que não me serve de absolutamente nada. O meu irmão aliás ja me disse uma vez que eu ainda vou morrer com uma úlcera se eu não aprender a desencanar. Acho que ele está certo.

Mas de onde vem isso tudo? Essa vaidade? Essa necessidade compulsiva de ser a melhor em tudo (eu não consigo nem plantar uma muda no jardim sem estudar todas as possibilidades, ter que fazer um design inteiro do jardim. Meus hobbies - todos - viram uma compulsão perfeccionista). A teoria que eu tenho é a seguinte: as mulheres crescem com a expectativa de que para serem amadas, tem que estar sempre agradando. Parem pra pensar: quando um menino tira nota baixa na escola, não é um estardalhaço tão grande como se fosse a menina na família. Eu vejo isso com meus próprios alunos. Os pais dos meninos ja tem uma expectativa mais saudável e realistica desde a primeira série. As meninas no entanto, são as queridinhas da família. Recebem amor por fazerem as coisas certas, de modo certo, e crescem querendo agradar. E não tem quem escape. É como destreinar cachorro - a gente faz um carinho e ri quando eles pulam (sem perceber que ai, cada vez eles pulam mais, e mais alto).

Acho que conosco, mulheres, é a mesma coisa. Quando somos meninas, recebemos carinho pelos nossos pulinhos infantis, mas nossos pais não percebem que mais pra frente, os pulinhos deixam de fazer efeito e em algum momento acho que toda mulher acaba achando que tem que pular da ponte pra chamar atenção, pra agradar, pra ser vista. Os meninos não.. já se acostumaram com expectativas mais baixas. Cresceram com elas. Sem contar a garantia que eles tem pelo fato de serem homens: mais chances de emprego, promoção, opções etc.

Tudo isso é realmente um vulcão a espera da erupção.

Enfim, eu queria deixar claro que a vaidade da qual falei na semana passada, foi a minha vaidade, a que eu uso constantemente pra contar meus pontos. Perda de tempo.

Pois aqui fica então o meu desejo de descomplicação, de auto-aceitação pra quem venha a ler esse texto. Chutem o balde, se atrasem, digam não, percam e deêm risada da perda, não lavem a louça, não passem a roupa, não façam a unha, depilem quando quiserem e se quiserem, não agradem, exijam que os maridos alimentem as crianças, ou os gatos, ou os cachorros pelo menos três dias da semana - se libertem da necessidade de serem perfeitas, impecáveis. Se libertem de vocês mesmas. Não se sintam menos amadas caso sua mãe, sua tia, seu filho, sua filha, discordem de vocês. Lembrem-se que discordar não significa amar menos, que o mundo vai continuar no lugar, que o sol vai continuar brilhando, e que sua mãe, tia, filho e filha vão continuar te amando. Celebrem suas vitórias, se dêem valor. Passem a se amar um pouquinho mais - mas não o amor cheio de expectativas: tem que ficar bonita, tem que pesar isso, ou aquilo. Como ja disse Hebert Vianna, "saber amar, saber deixar alguém te amar".

Eu vou fazer o mesmo.
Carol

18/04/2010

Da vaidade a humildade

Ja faz muito tempo que reflito a respeito do quanto a vaidade afeta o ser-humano. Há alguns anos, eu tenho tentado enxergar como me deixei levar por vaidade em tantas estâncias da minha vida,  e ao ver o estrago, passei a fazer um esforço sobre-humano pra realmente me limpar espiritualmente dessa doença de alma. Quanto mais eu penso sobre o assunto, mais eu percebo que não é atoa o fato  da vaidade ser o primeiro pecado capital na lista de São Tomás de Aquino...

Muita gente me julgou por aqui, quando resolvi largar de vez o teatro. Muitos acharam que eu tinha escolhido a vida capitalista, e que tinha deixado de priorizar a arte, etc. Eu mesma me julguei, mas ainda assim, algo muito forte dentro de mim dizia que aquele não era o meu caminho. Depois de muito erro e auto-flagelação, tomei coragem e disse: não. O que eu falhei ao perceber na época, e que hoje está mais claro, é que o meu problema por muitas vezes foi a vaidade: vaidade de deixar algo em que eu realmente era boa e fazia sucesso, vaidade em deixar uma arte em que se é o centro das atenções... Não estou falando da vaidade física (apesar dessa também ser um problema sério pra muitos, inclusive pra mim, e especialmente ai no Brasil). Estou falando da vaidade que temos ao pensar que somos insubstituíveis, e que se deixarmos um barco pra procurar outros barcos, aquele barco que deixamos afunda... 

Outro dia eu vi um vídeo que meu irmão mandou pra mim, e uma frase me marcou muito. "Se todos os insetos desaparecessem da face da terra, em 50 anos não haveria mais vida na terra. Se todos os humanos desaparecessem, em 50 anos, todas as espécies de vida floreceriam como nunca antes" Jonas Salk. 

Fiquei com isso na cabeça, e olhando pros passarinhos que vem comer no meu quintal. Fiquei olhando pras árvores que tem na trilha que fica aqui atrás de casa... E percebi o quanto eu não sou importante pra esse mundo. A nossa vaidade gosta de fazer a gente pensar que é. Claro que somos importantes na medida em que formamos relações humanas, de amor, de apego, mas se pararmos realmente pra pensar, o mundo do teatro, da educação, da escrita, não pararia de girar caso eu morresse hoje, ou amanhã. Os buracos  fundos ficariam mesmo é nas nossas relações familiares, e de afeto.

Por isso, estou tentando ao máximo colocar mais perspectiva no que faço. Não é fácil limpar a alma, e a vida de vaidades. Por todos os lados, existem mensagens a todo momento nos lembrando de que se não somos assim ou assado, se não temos isso ou aquilo, de que então não somos ou não temos o suficiente. Ou de que se abandonamos um projeto, seremos mal vistos, julgados - ou como fracos (faltou coragem pra ir adiante), ou como egoístas (só pensa em si mesmo). Eu sempre tive muito problema com a vaidade; sempre quis agradar, provar ao mundo quem eu era, ao ponto de esquecer o que realmente eu penso, ou o que eu quero, ou o que eu sinto. 

Ter largado o teatro foi uma das melhores coisas que eu fiz pra minha sanidade, saúde e paz de espírito. Aprendi a reconhecer que pra mim uma rotina é extremamente importante, que poder escolher ficar em casa numa sexta a noite tomando vinho é fundamental. Minhas ambições alimentaram minhas vaidades de tal forma que por muito tempo quase esqueci de priorizar o que realmente importa na minha vida - bicho, planta, casa, crianças, e família. 

O fato de eu ser completamente sonhadora e querer sempre contribuir pra um mundo melhor também as vezes atrapalha, porque os sonhos também se intoxicam por vaidades. É claro que eu quero um mundo melhor - não teria sentido viver a vida sem a tentativa de evoluir como ser-humano. Porém tenho que lembrar que nesse mundo existem mais de 7 bilhões de pessoas, e que eu não preciso ser a única responsável pra mudá-lo. 

Queria também mencionar a história de Fernando Pessoa, que eu acho que nem todos se dão conta, lembram, ou páram pra pensar quando lêem a sua poesia. Fernando Pessoa - seguramente um dos maiores e mais importantes poetas da língua portuguesa, publicou apenas um livro antes de sua morte: Mensagem - e mesmo assim, morreu apenas um ano depois de sua publicação. Quando ouvimos falar de Fernando Pessoa hoje, fantasiamos sobre o famoso poeta  e escritor - que ele sem dúvida foi. Mas a palavra "famoso", o contexto de glamour, quem traz essa bagagem pra conversa somos nós, com nossa própria fantasia. Do homem Pessoa sabemos pouco e o que sabemos, é relativamente ordinário e triste. 

O que eu aprendi nos últimos anos, é que a nossa contribuição pro mundo será ou não significativa, na medida que nos aproximamos mais da nossa verdade interior, sem nos preocuparmos em fazer fans, em agradar, em nos fazer ouvir. Apenas ser quem somos é o suficiente - o problema é primeiro descobrir quem somos, e depois ficar em paz com a descoberta. Quando eu penso em Pessoa, eu dou graças a Deus dele ter tido tão pouca vaidade e ter continuado a escrever, sem se desistir diante do fato de não ser publicado. Escrever é o que lhe era essencial. 

E assim vou humildimente vivendo. Ensinando crianças a ler, a serem eles mesmo, a pisarem nesse mundo com graça, delicadeza, e afeto, a serem gentís com eles mesmo. Vou vivendo catando o lixo na beira do rio que eu amo sem que mais ninguém na minha vizinhança saiba ou perceba, fazendo bolos e saladas, brincando com cores e texturas. Sigo amando o silêncio da minha casa, e a presença carinhosa do meu marido e da Dona Lola. Acima de tudo, vou vivendo me permitindo ser o suficiente. 

Termino aqui dividindo uma oração que ouvi pela primeira vez em uma entrevista com a Rosanne Cash: "Eu rendo minhas vontades, pra vontade do universo absoluto" - ou como (invarieavelmente) já disse a Clarice:  "Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece, como mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

Namastê

11/04/2010

Filhos da Esperança

Uma outra coisa que me marcou muito em Cuba, foi o fato de que ficamos hospedados em um hotél que não admitia crianças. Eu sempre ouvi falar desses tipos de hotéis, e aqui no Canadá mesmo existe uma cultura de não poder trazer crianças pra certas funções - como por exemplo casamentos.

Eu nunca tinha parado pra pensar no entanto, o que isso realmente significaria, ou como essa experiência me afetaria... O hotel em si, era muito bonito, 5 estrelas, mas eu achei o ar meio deprimente logo no primeiro. As pessoas ficavam ali fumando seu charutos, conversando sobre a vida, mas era como se tudo isso fosse mera retórica (e com um certo cheirinho de mofo), pois não havia a presença da forma mais absoluta de vida. O clima era de algo meio parado no ar, sem espontaneidade, sem pulso, as vezes falso, as vezes confinado.

Fiquei pensando em como é bom descer pro café da manhã de hoteis, e ver criancinhas fazendo caretas ao experimentar frutas que nunca viram, ou ir pra praia e ver um mundo novo se abrir ao pisar no mar pela primeira vez. No nosso hotél, não havia renovação, não havia descobertas, não havia magia. Quem estava ali, ja tinha vivido, aliás pode se dizer que alguns já tinham até morrido, mas continuavam a rondar assim, meio zombis.

E se Deus escreve certo por linhas tortas eu não sei, mas deve saber la o que faz, porque finalmente encontrei a minha resposta. Enquanto eu estava naquele hotel, fiquei pensando no filme Filhos da Esperança e num mundo completamente vazio dessa camada primordial da sociedade, um mundo sem crianças. A Nádia, uma amiga querida, me disse que a resposta pro meu dilema viria assim, sem eu pensar muito; que eu saberia e ponto. E enquanto eu fiquei ali, ficou muito claro que eu quero sim ter filhos.

Que fique claro o seguinte: essa resposta a qual encontrei, é a minha resposta. Não é uma resposta universal. Ainda acho que esse negócio de ter filho ou não é complicadíssimo, e bastante íntimo, e é uma conversa a qual deveríamos estar sempre abertos, mas não tem como negar: o diálogo final geralmente se dá apenas entre a mulher e Deus.

O que ficou claro pra mim, é que invariavelmente, a gente envelhece, e que criança traz renovação, traz descobertas, traz o novo. E sem essa renovação, eu acho que o meu mundo corre o risco de mofar uma hora. Outra coisa que ficou bem claro foi a importância dos laços de família - não estou me referindo necessariamente a propagação dos genes, ou a redenção dos meus ancestrais. Estou falando mesmo da importância que eu ponho nos laços famíliares.

Quando estávamos todos no carro do infâme Pedro (meu pai, minha mãe, meu marido e eu), e que vimos nossa vida correr risco, conseguimos ser mais fortes justamente porque estávamos juntos - e permanecemos fortes, porcausa da força que demos um pro outro.

Agora, tomar a decisão de tentar ter filhos é uma coisa. Ter os filhos é outra... Isso, só Deus vai dizer. Lavo minhas mãos, e humildimente me abro então pro milagre da vida; pros filhos da esperança.

Carol

28/03/2010

Morangos com Mel

Ainda não escrevi nada sobre a visita do meu irmão, não porque ignorei, mas porque certos assuntos merecem tempo pra que a gente pense com mais carinho, e escolha as palavras com mais zelo.

Meu irmão passou quase duas semanas aqui na minha casa, em Kitchener, ja faz mais de um mês. Foi a primeira vez que ele veio nos visitar, só ele.

Quem nos conhece, sabe que nossa relação não foi das mais simples. Crescemos com muitos conflitos. Como em toda família, a gente cresceu brigando, nossos pais erraram, e nós dois sempre tivemos a nítida impressão de que sabíamos mais do que realmente sabíamos. E assim foi a nossa infância, sempre com uma diferença de 3 anos entre a gente, alargada ainda mais pelas diferenças colossais de personalidade.

A visita do meu irmão foi um marco na nossa relação porque talvez tenha sido a primeira vez em que meus pais não estavam por perto. Talvez por isso, eu pude ser eu, ele pode ser ele. Pela primeira vez, a gente não precisou disputar por atenção (olha eu sou o filho ou a filha melhor), e tão pouco nos sentimos julgados ou esteriotipados ("a Carolina é sempre assim, chata mesmo." "O Rodolfo é um Zé Mané, nunca sabe o que quer"). Foi também a primeira vez que nos relacionamos como irmãos adultos.

Não tinha mais ninguém por perto. Não tinha mãe, não tinha pai, tio, tia, primo, ou prima. Tinha apenas o meu marido (que aliás conta como campo neutro de batalha, o Mike é como a ONU dos Mirandas) e a nossa cachorrinha (que conta como bálsamo pra qualquer ferida - um aconchêgo com a Lola e tá tudo certo).

E foram nesses 10 dias, que conseguimos pela primeira vez, falar sem nos agredir, e ouvir, sem nos julgar. Que fique claro - eu amo meus pais. Amo muito e sei que devo muito de quem eu sou a eles. Mas chega uma hora - a hora em que você está prestes a fazer 30 anos e se questionando se quer ser mãe ou não - que ou você olha pros seus pais com carinho, mas sem filtros, e vê o que fizeram de certo e de errado, ou a passa a vida idealizando como se quando tivésse 10 anos, e não 30. Acho esse rito de passagem importantíssimo, porque só assim a gente realmente perdoa, e também aprende a seguir adiante, sendo quem queremos ser, sabendo que não somos 100% como nossos pais, porém sabendo também claramente de onde viémos.

Meus pais deram muito pro meu irmão e pra mim. Nos deram uma educação exemplar. Nos expuseram pro mundo, nos deram experiências profundas do nosso próprio país e da nossa própria cultura. Nos deram MPB, e John Lennon ao mesmo tempo. Nos fizeram sonhar alto. Porém falharam também, acho que principalmente devido ao fato de terem sido pais tão jóvens... O que não é óbviamente culpa deles... Mas suspeito que muito dos conflitos entre o meu irmão e eu vieram do fato dos meus pais realmente serem tão jóvens, porque quando olho pra trás, eu sinto que faltou paciência, faltou um certo fino trato. Enfim, errar é humano. E meus pais são humanos. E essa foi minha grande sacada, com relação ao meu irmão - que ele e eu somos também humanos. E vamos portanto acertar e errar, mas seguiremos tentando.

Outra parte importante dessa experiência, foi poder passar 10 dias com meu irmão, sem ter que entretê-lo. Não estávamos viajando, não estávamos de férias, não estávamos fazendo jantares especiais. Uma coisa que irônicamente acaba distanciando minha família ainda mais de mim do que a distância, é o fato de que toda vez que estamos por perto um do outro, tem que ter algum tipo de festa ou comemoração, ou alguma viagem como se tivéssemos que fazer um esforço pra que a nossa relação seja celebrada pois é tão raro o nosso encontro. As vezes eu temo que a gente não saiba mais ser família sem estar ou em algum hotel, ou em alguma festa. Desde que me mudei pra o Canadá, são raros os momentos de quietude quando estamos todos juntos.

O fato é que se a quietude parece inicialmente chata e monótona, é nessa quietude, são nesses pequenos momentos de normalidade, que acontecem as reveladoras conversas de cozinha. São esses momentos em que cozinhamos arroz e feijão juntos - no lugar familiar em que tudo está calmo - que muitos laços de família se renovam. Intimidade não acontece em resorts, aviões, ou em lugares novos porque simplesmente há tanta distração por todos os lados que se presta pouca atenção no outro.

Foi por isso que quando convidei meu irmão pra passar uns dias com a gente aqui, convidei sem muitas promessas. Eu ainda estaria trabalhando (apesar de um pequeno feriado) - mas teria bolo e teria família.

E foram nesses 10 dias, com muita conversa na cozinha, que eu fiz com bolo de cenoura, caldo-verde, macarronada, e ele me ensinou que pra comer morangos, tem que ter mel! Foram nesses 10 dias que eu vi meu irmão pela primeira vez com mais clareza e que eu vi o quanto ele tem pra oferecer, mas o quanto ele se sente perdido (aliás, assim como eu já me senti. Acho que o Rodolfo não imagina o como somos muitos parecidos nesse sentido. Nós dois somos cheios de sonhos, temos vários talentos, e ainda assim não sabemos realmente como juntar tudo, ou como focar, o ou que queremos).

Hoje eu sei que uma hora ele se acha, mas o mais o importante é que eu sei que ele sabe que pode contar comigo pro momento em que ele precisar de ajuda pra se achar - porque a verdade é que ninguém se acha sozinho... Hoje eu sei, e espero que ele saiba também, que entre caldo-verde e morangos com mel, a gente vai ensinando um pro outro o que realmente importa.

Carol

22/03/2010

Cuba Libre (pero no mucho)


A viagem pra Cuba finalmente acabou, mas acho que vai levar ainda muitos anos pra eu digerir tudo o que eu aprendi por lá.

Que fique claro desde o princípio: eu fui para Cuba como turista. Quando estava procurando um lugar pra passar minha semana de saco cheio, comecei a procurar lugares de sol e praia, entre o Brasil e o Canadá, pra que pudesse encontrar meus pais no meio do caminho, sem ter que ir até o Brasil direto. A idéia principal, era relaxar. Nunca imaginei que fosse sair de Cuba tão profundamente mudada, tão profundamente tocada. Eu já viajei muito, e pra lugares como a Bolívia, que está em flagelos. Mas nunca, que eu me lembre, um lugar me afetou tanto (pra bom e pra mau) como Cuba. 

Aliás, assim que se confirmou nossa ida para Cuba, me animei muito em tentar contactar o ministério da educação cubana, pra que eu tivesse uma oportunidade de tentar entender melhor esse sistema do qual eu já tinha tanto ouvido falar. Escrevi pra embaixada Canadense, ja que estava viajando como canadense, pra que conseguisse me colocar em contato com alguém que me levasse pra visitar uma escola do ensino fundamental. Com a resposta positiva do consulado, tentei em vão ligar mais de 5 vezes para os números que me foram passados. Ninguém conseguiu entender meu espanhol hoje ja bem enferrujado, pelo telefone. Desisti da idéia, de inicialmente tirar fotos das escolas, dos alunos, pra trazer pro Canadá um olhar sobre um modelo que eu acreditava ser bem sucedido. 

O fim da viagem, se revelou muito menos entusiasta do que o início. Voltei de Cuba com um duro questionamento dos meus próprios valores, em um estado de profunda reflexão sobre minhas próprias ambições. Na verdade, não sei como entrelaçar toda a experiência ainda, porque como eu disse, foi muito recente... Portanto, aqui vão algumas passagens... Alguns momentos que guardei:  

Vou de táxi: 
Uma das maiores oportunidades de conversa sem a temerosa presença da censura política (que o olhar menos ingênuo percebe rapidamente que ainda pesa sobre o país e seus cidadãos) foi pegar de taxi. Ainda assim, muitos taxistas evitam realmente engajar em assuntos políticos, porque temem uma violenta repressão que existe no país. Eu, como sou curiosa, e de certa forma, ingênua também, arrisquei perguntar a muitos deles, o que eles achavam do seu regime, da educação, da medicina. Aliás, ingênua mesmo, porque no início, eu perguntava tudo em boa fé, curiosa pra saber mais sobre essa cultura que eu sempre julguei fascinante. Eu fui pra Cuba, com a certeza de que iria ver um sistema educacional exemplar. Um sistema médico de dar inveja ao Brasil. Pode ser que desde que eu tenha saído do Brasil, a imagem de Cuba ja tenha sofrido um update, mas ao que eu me lembro, nós brasileiros, crescemos ouvindo falar na reforma escolar cubana, e como Cuba tem alguma das melhores faculdades de medicina do mundo. 

Foi então com surpresa, que ao andar de táxi por um total de mais de 5 horas, eu coletei as seguintes frases: 

Ao perguntar um dos taxistas o que ele achava do sistema em geral em Cuba, ele me respondeu: "Senhora, eu sou Cubano. Aqui em Cuba eu não posso achar nada."

"Sabe por que eu sou taxista, dona? Porque assim eu posso sentir pelo menos um gosto pequeno do que seria a liberdade. Eu posso ir e vir pela ilha, sem ser condenado por isso.  E ainda por cima consigo ajudar a quem precisa, porque dou carona - afinal, o sistema público de transporte aqui é praticamente o mesmo de 50 anos atrás"  (e realmente, muitos taxistas, quando tinham lugar sobrando no carro, davam carona para outros cidadãos, porque pra um percurso de um pouco mais de 15 Km, o cubano pode levar até mais de 3 horas, caso espere por um ônibus). 

"Aqui em Cuba os médicos são realmente muito bons, competentes, mas falta medicina, falta equipamento, falta tudo. Pra se fazer uma cirurgia em Cuba, tem que se arrumar um jeito de conseguir seus próprios instrumentos, sua própria gaze... Nos hospitais, não tem nada, moça. E os médicos, coitados. Ganham $600 pesos por mês" (o que equivale a mais ou menos $24 dólares, ou $20 pesos convertíveis, que é a moeda oficial para turista - sim, em Cuba, existem duas moedas, um pros habitantes, outra pros turistas). 

Olhar, e ouvir: 
Depois de tanto andar de taxi entre sábado e quarta-feira, já era pra eu ter me dado conta da situação que se encontra o povo cubano, mas mais importante ainda, eu ja tinha que ter me dado conta que existem certas perguntas que talvez os cubanos não respondam, ou pior.... Que talvez ofenda intimamente o ego daqueles que são a favor da revolução, e do regime militar imposto pelos Castros. Ingenuamente, e na minha cede de compreender mais esse país, continuei perguntando. Descobri que em Cuba, ninguém sai e quem entra, não tem o passaporte carimbado, pra que não dê problemas com outras imigrações, como a dos Estados Unidos. O que fez sentido, porque quando parei pra pensar, Cuba realmente não tem imigrantes no Canadá, nem no Brasil. Descobri (ao olhar pelo lado de fora) que vários dos prédios de Cuba, inclusive os de suas tão famosas universidades de medicina, de seus hospitais, e suas escolas, estão velhos e defazados. Vi esses prédios, escuros pelo lado de fora... Como escombros. Descobri que em Cuba, apenas o turista tem realmente acesso a internet, e esse acesso é extremamente controlado, com a necessidade de número de passaporte, nome, endereço, e com horários bem anti-turistas que estão lá pra aproveitar os dias ensolarados. Geralmente abriam as 9 da manhã e fechavam as 6 da tarde.

Mêdo de morte:
Foi na quarta-feira passada, dia 17 de Março, dia de St. Patrick aqui no Canadá, que pegamos um tour com uma van, dirigida pelo motorista Pedro, através da agência estatal Cubanacan. Fizemos o demorado tour que nos levou até Santa Clara, para vermos o mausoléu do Chê, e depois, fomos até Trinidad, onde se encontra uma linda cidade histórica, com artesanato rico, e muita arquitetura colonial. A ida da viagem foi muito mais longa do que tínhamos imaginado, durando um percurso de 4 horas. Na volta, tínhamos pedido pra que o Pedro, nosso motorista, não passasse na última cidade do tour, Cienfuegos, e nos levasse direto pro hotel. Foi aí que a viagem realmente começou a mudar. O Pedro no começo nos pareceu bastante compatriota, bem pro-revolução mas de certo modo, não vimos perigo nisso. De manhã, o Pedro passou por Cárdenas, no exato horário em que o menininho Elián Gonzalez estava sendo levado pra escola, escoltado por mais de três policiais. Na verdade, eu nem conhecia a história, até então. Porém, agora quando penso a respeito, acho que foi uma estranhíssima coincidência que Pedro tivesse parado justamente na frente da casa do tal menino, para nos mostrar justamente a hora em que estava sendo levado pra escola. Enfim, na volta, Pedro ignorou nosso pedido de que não passássemos na última cidade do tour, e nos levou até lá, assim mesmo. Dirigiu pela cidade, mostrando prédios famosos, e então seguimos de volta para Varadero, por uma rota que não foi a mesma inicial. 

Foi então, ja lá pelas 7:30 da noite, que realmente nos demos conta de que Pedro estava nos levando por lugares sombrios da região. Escuros, e dos quais não saberíamos sair nunca. Pra piorar a situação, ele não saia do celular, se comunicando frenéticamente com outras pessoas, e ao que percebemos agora, com a intenção de dar coordenadas pra que essas outras pessoas chegassem até nós. As 8 da noite, ele entrou um um terreno baldio, na beira da estrada, e outra van se aproximou com outros dois homens. Com um mêdo profundo do que podia acontecer, eu resolvi lembrá-lo de que eu havia deixado um bilhete na recepção do hotel, com o seu nome inteiro (e que talvez por trauma, hoje não me recordo), com a companhia de viagem da qual ele fazia parte, e com o nosso nome e número de quarto. Pausadamente, mas muito nervosa, eu disse a Pedro - praticamente querendo dizer, olha... Se alguma coisa acontecer conosco, você vai ser o primeiro suspeito. Diz o meu pai, que estava sentado no banco da frente (aliás, pronto pra puxar a direção) que foi ai que o tal do Pedro começou a suar, e foi nesse momento que a outra vanzinha, com os dois outros homens, ao receber um olhar indecifrável do Pedro, se foram. Foi ai também, que Pedro resolveu colocar o carro na estrada, finalmente em direção a Varadero. Chegamos no hotel as 8:40 da noite, completamente transtornados (deveríamos ter chegado as 6:30, com a mudança de planos de não fazer o tour da última cidade). Chorei muito, sem entender realmente o que aconteceu, e fiquei completamente traumatizada, mas sabia que eu deveria agradecer a Deus, por ter protegido a todos nós. 

Tínhamos um show do Buena Vista Social Club a noite, ao qual eu inicialmente havia desistido de ir. Mas me vinha uma voz no pensamento (e na orelha também, pois o Mike contribui sempre, muito, pro meu processo de restauração) que dizia: não deixe eles ganharem. Não deixe eles ganharem. E foi assim, que suada, fedida, e com diarréia ainda do trauma, tomei um copo imenso de whisky e fui assistir ao Buena Vista Social Club mesmo assim. Fui andando, a noite, com o meu marido. E ganhei. 

La Habana:
O dia seguinte foi tenebroso. Meu trauma, minha ansiedade, minha gastura... Tudo estava me deixando completamente neurótica, inclusive ao ponto de me permitir comentários completamente envergonhosos, de cunho racista, por mêdo de um povo ao qual eu não mais sentia poder confiar, pelo qual eu me senti traída. Justo eu, que sempre quis ir pra Cuba, aprender, entender... Ver. Bom... Eu vi. 
Quando chegamos em La Habana (dessa vez fomos de ônibus coletivo mesmo) eu consegui relaxar um pouco mais. Visitamos lugares históricos, lugares lindos e lugares feios. Em geral, passamos uns três dias em La Habana. Comemos muito bem, dançamos, rimos, ainda com uma profunda tristeza pairando no ar. Visitamos o decepcionante museu da revolução - um prédio (na minha opinião) tão ilusório quanto os próprios valores que representa para seu povo. Um símbolo exemplar da revolução com uma faixada linda por fora, e completamente decadadente por dentro apesar de seu potencial evidente. 

Fomos aos mercados, almoçamos nos pátios floridos e ensolarados, vimos um circo colorido passar. Compramos charutos, como todo bom turista, compramos arte, como todo bom turista e claro, rum também. Mas não perguntamos uma só vez - pra mais ninguém - o que achavam do sistema, qual a situação pensamento sobre as escolas, os hospitais. Nunca mais, nem uma só vez, falamos de política alguma, e nunca mais perguntamos sobre Elián Gonzalez, ou sobre a escritora militante contra a revolução, Yoani Sánchez. Resolvemos jogar o jogo nacional, em território nacional: o silêncio. Além do mais, depois que o Pedro tinha nos levado para o bairro de Santa Marta, próximo a Varadero, essas situações e suas imagens ficaram muito evidentes e frescas em nossa mente. 

Um Peixe é só um peixe: 
Como disse uma artista jovem, com a qual conversamos brevemente numa das galerias de arte que visitamos, o povo cubano pode ser comparado a um peixe no aquário. Um peixe é só um peixe. Não fala, não anda... Bóia. Ali, sozinho, isolado, dentro de um mundo de mentira. 

Quem voltou pra casa foi outro eu: 
Ao voltar ontem pra casa, ainda estou lidando com os traumas que passei. Uma das profundas questões que me atingiu, foi da importância da democracia e da educação. Sempre pensei que os pilares principais de qualquer sociedade  fosse a educação e a saúde. Porém, sem liberdade de escolha, de expressão, sem voz, podemos ter um corpo saudável, mas com a mente de um zombi. Passei a olhar com ainda mais carinho, o meu papel de educadora, como agente de pensamento crítico, e de criatividade mas antes de tudo, de liberdade e responsabilidade. Compreendi que não podemos viver sem a democracia, e que com ela precisam vir responsabilidades e valores éticos muito fortes, para que nossas escolhas sejam responsáveis, e que elas não sejam egoístas. 

Miranda's rights:
Eu sei bem dos "meus" direitos. De que tenho o direito de permacer calada, e que qualquer coisa que eu venha a falar, pode vir a ser usada contra mim. Porém a verdade é a seguinte: eu sou uma cidadã Canadense, e Brasileira. Eu sou uma cidadã exatamente dos dois países com os quais Cuba mais negocia. A verdade é que eu também sou professora primária, e que o meu projeto de vida é cada vez mais aprender sobre os melhores modelos de educação do mundo, para que eu possa ser cada vez uma professora melhor. Foi ao escrever esse posting, que me perguntei se de repente, na tentativa de me comunicar com o ministério da educação de Cuba, eu os afrontei - completamente sem querer. Se de alguma forma, tudo isso que se passou com o Pedro, se passou porque eu ja estava desde a minha vinda, sendo monitorada pelo sistema - não me surpreenderia, visto a história de espionagem pela qual são famosos. 

A verdade é que os cubanos não sabem que em outros lugares desse mundo, existem governos que tomam conta dos seus velhos, das suas crianças, e que oferecem várias iniciativas sociais, sem que para isso custe a nossa alma. A verdade é que eu moro num desses países e que o Brasil já está indo pelo mesmo caminho. 

A verdade é que essa guerra não é minha. A minha guerra é melhorar o sistema educacional de onde eu esteja morando, e eventualmente, sonho em contribuir para a educação brasileira. O meu desejo, é um dia voltar com muitas idéias, e conseguir investir no meu país, que tanto me deu. A verdade é que essa vivência num país sobre o qual eu sempre fantasiei, deixou uma marca profunda em mim. 

A triste verdade, é que eu nunca mais volto em Cuba. Por mêdo, e por decepção. 

Carol

15/03/2010

Mojitos...

Sol, praia, sol, praia, mojitos... Mojitos, sol, praia... AH!!! Cuba!
Estamos de ferias, escrevendo do hotel, onde a internet custa 3 pesos convertidos por 15 minutos. Tenho 5 sobrando.

Quero apenas dizer que sol faz bem, desestressa, e produz vitamina D. Tomem sol!!

Quero dizer tambem que mojitos, tambem fazem bem... Tomem mojitos...

E mais tarde, quando chegar em casa e estiver com o meu laptop, com a minha internet, eu escrevo mais impressoes detalhadas da nossa estadia em Cuba. Com acento e tudo.

Por enquanto, fico aqui so pra dizer que essa semana, estarei de folga, com muito sol, aproveitando familia, tomando mojitos, e comendo muito.

Buenas...
Carol

08/03/2010

8 de Março

Pensei muito antes de escrever qualquer coisa sobre o "Dia Internacional da Mulher", porém finalmente concluí que não há como não ignora-lo num blog que se preza justamente em ser voltado em "ser" mulher, em ser feminino.

O problema que eu tenho com o um dia internacional dedicado a mulher, é que se pararmos pra pensar, existem 365 dias no ano. E 50% da população mundial é composta de mulheres. A matemática é simples: quem, como e quando se dedicou apenas um dia para todas as mulheres desse mundo? Se houvesse realmente igualdade social no mundo, metade do ano seria "nosso". Metade dos parlamentos também seriam nossos e não menos de 6% no mundo. 

Ao mesmo tempo que eu aceito um dia dedicado para a reflexão da importância e do papel da mulher no mundo, não tenho como não ficar inconformada com a falta de seriadade que nos é dada nos outros 364 dias do ano. Até mesmo nesse dia simplista, já vi muita gente "comemorando" dando uma flor pra esposa, irmã, namorada... Vamos ser sinceras - eu gosto de flor, mas flor planto eu. O que as mulheres realmente precisam é de condições de trabalho que se equipararem profissionalmente ao homens, oportunidades de escolha, chances para participarem em decisões centrais - de casa e do país.

As mulheres brasileiras ocupam menos de 10% do ministério público, sendo que possuem 51% dos votos. O Brasil ocupa o quarto lugar no ranking mundial de pornografia infantil (o que é 98% um problema entre homens). No Brasil, as mulheres ainda ganham 30% menos que os homens, em cargos de chefia. A licensa maternidade ainda é de apenas 6 meses (o que  aumentou recentemente, mas que ainda está longe de ser o suficiente pra se estabilizar uma família). E finalmente, no fim de 2009 o Brasil caiu 9 posições no ranking mundial de igualdade entre os sexos, e passou de ruim pra pior. Não se engane: o Canadá não está assim tão melhor...

Pra ser bem sincera, eu trocaria qualquer exaltação do meu sexo, e qualquer dia internacional dedicado ao meu gênero, pelo poder de decisões igualitárias no meu dia a dia mundano, como por exemplo, a possibilidade da existência de creches públicas, pra que as mulheres passem a ter oportunidades e escolhas de trabalho mais justas. Ao invés de uma flor, eu escolheria escolas públicas, em período integral.

A mulher no Brasil ainda está muito longe de atingir sua autonomia - e não me refiro apenas a autonomia profissional ou financeira. Atingimos uma certa igualdade no sentido de que nos permitimos ser mais como os homens. Mulheres hoje são bem vindas num campo de futebol (mas ai delas que não sejam "gostosas" porque senão são automaticamente tachadas como "barangas"). Mulheres podem ser fortes, usar calças, "catar" outros homens, ficarem bêbadas - porém, é como se estivessem lutando pra ser mais como os homens, em tudo aquilo que os homens tem de pior. O que eu sempre me pergunto é: por que não lutar pra sermos mais mulheres? Aliás, por que não lutamos todos nós, homens e mulheres, pra sermos melhores indivíduos? Aliás, eu sempre tive pra mim que a liberação sexual feminina no Brasil  desencadeou uma falsa e ilusória versão de feminsmo; uma pseudo-liberdade. Mas enfim, isso é outro longo posting... 

A autonomia a que me refiro vem cercada de respeito social. De poder ser o que tiver vontade de ser, com dignidade e cabeça erguida. De ser dona-de-casa por escolha, sem ser sujulgada por isso. De fazer bolos, ou bordados, sem que essas coisas sejam perjorativamente tachadas como "coisas de mulher".  De ter influência nos governos e em decisões políticas, sem que isso seja "coisas de homem" e automaticamente exclusivas. 

Pra mim, feminismo é justamente isso: o dia em que ser mulher basta, em que ser mulher não necessita explicação, ou licensa. O dia em que eu possa ser mulher com a mesma dignidade de qualquer homem, independente do que eu resolva escolher como caminho de vida - ser mãe ou não, ser profissional ou não, ser mãe e profissional, ou não, não ser mãe e ser feminina, e qualquer outra combinação que vá além das limitadas referências sociais muitas vezes pré-impostas.

Então fica aqui minha sugestão - já que está, então temos que usar o dia 8 de março pra pelo menos refletir sobre quem somos, e qual o papel que queremos desempenhar. Porém é preciso cautela pra lembrar que se realmente quisermos atingir um respeito social real entre os sexos, temos que ter bem claro que o resto do ano, ou pelo menos metade dele, esses restantes 181 dias, também pertencem a nós independente do que diga qualquer calendário e que a mulher não precisa de um dia internacional de celebração ou reconhecimento. Lembremos que o "dia internacional da mulher" é só isso: um dia. 

Então fico aqui esperando (e sonhando) que vários outros dias venham a ser divididos igualmente, com dignidade e respeito, entre homens e mulheres do mundo... 

Carol

28/02/2010

Diálogo - ou "o caminho do meio III"

Esse post já tem ruminado comigo por um mês... Várias amigas minhas me escreveram sobre os meus questionamentos sobre ter ou não ter filhos, e me dei um tempo pra pensar em tudo que escreveram. Quatro conversas causaram um impacto em mim, vindas da Patrizia, minha amiga que mora em Washington, da Ju, minha amiga que acabou de voltar pra Jundiaí, da minha prima Lara e da minha tia Angela...

Nós cinco temos algo em comum: temos muita paixão pela nossa carreira, nossas habilidades intelectuais  e profissionais e tendemos a priorizar outras coisas na vida além do futuro de casar e ser mãe (apesar de três dessas cinco mulheres já serem casadas e uma delas ter filho).

Ter filhos é então um questionamento natural, pra pessoas como nós, que nos permitimos viver experiências alternativas e analisar as possibilidades de caminhos diferentes.

Quando estava conversando com a Lara sobre outra prima nossa, super nova, e que está prestes a ter seu primeiro bebê, ela me colocou o seguinte argumento e me deu a seguinte perspectiva: as pessoas organizam a vida de maneiras distintas. Isso significa que as suas prioridades e satisfações acontecem de modo diferente. Essa prima nossa por exemplo, tem uma lista de prioridades completamente diferente da minha, mas no fundo, as duas vidas, a minha e da minha prima que está pra ser mãe, vão acabar no mesmo caminho. Um dia, nossos filhos crescem, e nos deixam, nossos netos tomam seu próprio rumo, e a gente morre sozinho. Mas quem escolheu a carreira, um dia também se aposenta, a carreira também acaba, e no fim, aquela pessoa também vai envelhecer sozinha.

E foi ai que eu me dei conta, que não importa o que a gente faça, no fim, com ou sem família, grande ou pequena, no fim de tudo, a gente fica só. A gente vem pra esse mundo só e sai dele só. Pensei no avô do Mike, meu marido, que teve três filhos, deixou a mulher e filhos pra trás (a história verdadeira ninguém sabe até hoje) e construiu uma vida nova distante, com outra mulher. Foram felizes, não tiveram filhos, e no fim, ela morreu primeiro, e ele viveu até os 92 anos de idade. No último dia de sua vida, por mais que a gente tivesse tentado estar presente o quando possível, ele morreu no hospital, a noite, sozinho. E foi assim que eu vi que por mais que a gente viva, por mais que a gente faça, nosso fim é o mesmo.

Então qual a melhor forma de se viver essa vida que existe entre esses momentos de absoluta solidão? Existe uma escolha que seja melhor que a outra?

Eu acho que a única resposta certa é aquela que a gente sente dentro da gente, que ecoa tão alto que não há como ser ignorada. E é uma resposta única, que não se encaixa na vida de mais ninguém a não ser a nossa. Cada um é responsável por achar a sua própria resposta.

No meu caso, eu refleti muito desde o email da Pati. Ela dividiu comigo uma conversa que teve com sua própria mãe, e em que ela lhe disse o seguinte: "ser mãe é o único amor que supre a abundância de amor que a mulher tem a oferecer... Parece que sobra amor, que sobra dedicação, e o filho é a única coisa que completa essa insatisfação." Porém quanto mais reflito na minha dose de amor com relação ao mundo, eu tenho mêdo justamente do contrário. Temo que tendo meu próprio filho, não sobre amor pra dar pro mundo. A minha capacidade de compaixão, paciência e perdão aumentou muito nos últimos anos, e hoje me encontro num certo momento emocional no qual tenho muita satisfação. E eu sei que justamente porcausa da minha falta de preocupações com qualquer outro ser dependente da minha vida, eu posso me doar de modos que outras pessoas não podem.

Por exemplo, eu encontro satisfação na minha capacidade de amar meus alunos com zelo. Eu encontro satisfação na minha capacidade de paciência com as famílias dos meus alunos. E não sei se esse espaço estaria aberto, caso eu tivesse um ser que dependesse tão exclusivamente de mim. O fato é que quando eu penso em ser mãe, eu tenho mêdo de virar uma pessoa egoísta. Lutei tanto contra meu ego-centrísmo e egoísmo, que tenho mêdo de perder essa humildade na qual eu sinto prazer e que me faz bem - e que pelo contrário, não me causa ansiedade ou insatisfação. Na verdade, me satisfaz.

Eu sei também a meu respeito, que eu tenho um mêdo enorme de perda, e a maternidade é um ato de fé imenso, em que a gente tem que se entregar ao mistério divino com a confiança de que não existirá perda - porque não consigo imaginar dor maior nesse mundo do que perder um filho. Por isso, acho que ter filho é um dos maiores atos de fé que se pode ter - principalmente se você é como eu, consciente das perdas que podem estar envolvidas no processo. E pra ser sincera, eu simplesmente não sei se tenho tanta coragem assim. Mas quanta coragem será necessária nesse mundo? Talvez, coragem maior seja preciso pra se dizer não quando todos dizem sim.

Uma analogia me veio em mente. Por exemplo, eu tenho muito mêdo de altura. Sempre odiei desde pequena, e isso é um fato que passei a respeitar em mim. Ai fui até Paris, esperei na fila da Torre Eiffel, e ainda na fila, desisti de subir. Tem gente que me acha louca por isso - como ir até Paris e não subir na Torre Eiffel? Mas a verdade é a seguinte: eu amei Paris do meu jeito e ninguém pode dizer que minha experiência foi mais ou menos do que qualquer outra, apenas porque não experienciei a subida na Torre Eiffel.  A minha experiência em Paris foi intensa, e linda. Minhas memórias seguem vivas, com cores, sons, e cheiros que dóem no meu peito de tanta saudade. E eu resolvi respeitar minhas limitações, respeitar o que eu conheço de mim, pra entender que toda aquela viagem podia sim ser maravilhosa e preciosa, mesmo sem subir no topo da torre. E no fim, eu sei que teriam sido 3 horas de puro mal-humor, causando estresse entre o meu marido e eu, só pra provar algo que eu na verdade não preciso provar pra ninguém. Quando a gente se conhece tão bem assim, e essas vozes ecoam tão alto dentro da gente, acho que é válido ouvir e respeitar. Ao invés de subir na torre, eu fui andar pelo canal a noite, silencioso, quieto, e vi com meu marido pela primeira vez, a torre explodindo em luzes de longe, refletindo no canal. 

Um outro argumento que existe muito forte dentro de mim e que me faz pensar duas, três vezes antes de ter filho é o fato de que eu sinceramente não acho que esse mundo precise de mais gente. Aliás, levo essa questão tão a sério que se eu resolver ter filho, vai ser um só mesmo. Existe uma responsabilidade e uma conscientização ecológica e humana a qual eu passei a enxergar que é difícil me desfazer. Na minha opinão, veja bem - pra mim, pra vida que eu escolho ter dia-a-dia - ter mais do que um filho seria um pecado humano e ecológico. E que fique claro: coloquei tudo em primeira pessoa, porque estou estritamente escrevendo a meu respeito, e como eu me sinto diante do mundo. Vários dos meus amigos tem mais do que um filho. São crianças lindas, preciosas. Mas não tenho como me dissociar de convicções que justamente me fazem quem eu sou.

Assim como a Patrizia, eu também sinto que a maternidade é um elo entre gerações. Por exemplo, quando falo ou escrevo sobre meus avós com tanta paixão, eu sei que apenas eu posso passar essas histórias adiante. Que as experiências, as memórias e histórias da qual eu fiz parte, do modo que eu vivenciei, só eu posso dividir. Porém não tenho tanta convicção como a Patrizia, de que a minha responsabilidade é de propagar meus ancestrais em carne e osso. Acho problemática essa tentativa de controle genético, de acreditar que vamos deixar um marco físico no mundo que é o nosso legado. Acho que existe um fluxo de vida, uma força cósmica que age sobre nós. A propagação do conhecimento milenar de famílias acontece de uma forma ou de outra com nossos filhos ou não e eventualmente desaparece também.

Por exemplo, quando escrevi sobre a minha hidroterapia, um dos emails mais interessantes que recebi, foi o da minha tia Angela, contando que há mais de quarenta anos atrás, minha avó fez o mesmo tratamento que eu faço hoje - e que foi a única coisa que curaram suas varizes. Se pararmos pra pensar, a beleza dessa história está sim nesse elo entre minha avó e eu, mas que teria permanecido obscuro se não fosse pela minha tia. Portanto, quem passou a geração hereditária adiante nesse caso, foi sim o meu pai. Porém a magia do elo entre gerações, entre minha avó e eu pela hidroterapia que nos une, só aconteceu através da minha tia, que apesar de não ter passado seus genes adiante, foi quem passou a história. A minha tia, com ou sem filhos, é uma das maiores guardiãs da história e das tradições da minha famíla, sem dúvidas. Pra mim, a beleza e o elo entre as gerações se encontra no conhecimento e na propagação das histórias de família... E isso pode acontecer através de histórias escritas, de filhos que colocamos no mundo, de tios e tias que permaneceram sozinhos e por isso observaram e guardaram em sua memória, detalhes que mais ninguém guardou.

No fim de tudo, acho que a única coisa que realmente importa (e na qual a Lara, a Pati, a Ju e a minha tia Angela concordamos) é estarmos felizes, em em paz com as nossas decisões. Eu espero de coração, que minha prima Marina (que está pra ter neném) tenha feito uma escolha profundamente sincera. E que ser mãe a traga alegrias e satisfações concretas.

É preciso muita coragem pra gente se olhar no espelho, e abrir os olhos. Acho que o único compromisso real que temos com a vida, é escutarmos a nossa verdade interior, e aprendermos a amar "sem escalas", voando em direção ao nosso potencial divino, aceitando que a cada um de nós foi dado um potencial distinto e único.

Carol

23/02/2010

Pequenos Prazeres

Quando me mudei pro Canadá há quase sete anos atrás, uma das coisas mais chatas que encontrei por aqui foi a minha batalha no supermercado. Os produtos aqui (há sete anos atrás) não continham os rótulos detalhados que existem no Brasil desde 1998 e nem uma legislação complexa como a do Brasil, pra que os produtos de limpeza e de higiene pessoal fossem na sua maioria biodegradáveis. Na verdade, quando cheguei, só dava pra comprar detergente pelo cheiro (mal se listavam os ingredientes). Por isso, quando me mudei pra cá, com a dificuldade de saber o que eu estava comprando, eu passei a fazer algumas escolhas radicais.

Por exemplo, comecei a comprar sabão de roupa bem hippie. Sem cheiro, e completamente biodegradável. Passei a comprar essas coisas em lojas hippies mesmo, porque pelo menos assim eu sabia que não estaria destruindo por exemplo, o rio que hoje passa do lado da minha casa. 

Enfim, os tempos aqui mudaram, e finalmente eles alcançaram o Brasil nesse aspecto (aliás, vocês não imaginam o tanto de coisa que o Brasil tem e que é melhor, mais bonito, mais avançado, mas isso é outra história por completo). Bom, o fato é que hoje as comidas compradas em super-mercado têm rótulos tão detalhados quanto os do Brasil, e os produtos sanitários também. Isso significa que finalmente, a indústria de sabão pra lavar roupa tem que escrever na embalagem se o sabão é biodegradável ou não.

Foi então, que outro dia, comprei depois de quase sete anos, uma garrafona de sabão e amaciante como o dos velhos tempos: comerciais, cheirosos e finalmente, biodegradáveis! E foi ai que re-descobri mais um desses pequenos prazeres que nos permeiam todos os dias, mas que as vezes são tão simples e acabam se tornando tão óbvios, que ficam sem notoriedade alguma: as roupas perfumadas saídas da máquina de lavar (ou secar no meu caso)! 

Lavei um total de cinco ciclos de roupa, e pra minha surpresa, eu cheirei compulsivamente cada peça que saia da máquina. Cada uma. 

Agora... Não estou falando aqui do sentimento de deslumbramento patético e solitário que Margareth Mansfield descreveu tão bem Bliss. Esse aqui foi um sentimento de nostalgia, de redescobrimento de cheiros que senti por toda minha infância (sempre tivemos lençóis cheirosos em casa...) É um sentimento que me faz lembrar de que a vida que eu escolho todo dia, a vida que realmente me importa, talvez não seja pontuada por grandes feitos, mas tem em si uma beleza delicada, sutil de roupas cheirosas. 

Talvez não seja uma vida pontuada por breves momentos de glória (por mais que eu sonhe, eu duvido que um dia eu venha a ser um marco em educação), mas é uma vida permeada de pequenos prazeres por todos os lados, como o cheiro de lenha queimando na lareira da casa do lado, ou de ver a neve grudar nos galhos das árvores e imaginar como Leslie Parke as pintaria... 

E foi assim que eu aprendi nesses últimos sete anos que de repente essa vida não precisa ser vivida apenas com a intensidade na qual o Brasil faz sua fama, constantemente descrita por poetas considerados ilustres, venerados no Brasil, como Vinícius de Moraes, ou Chico Buarque... A nossa cultura têm várias nuânces, e hoje não me considero menos brasileira simplesmente porque gosto de quietude e simplicidade (e em minhas redescobertas foi que me dei conta que Deus nos deu também a Cecília Meireles...) 

Tenho cada vez mais percebido que no mundo ocidental (seja no Brasil ou no Canadá) muitas vezes super-valorizamos momentos intensos de felicidade instantanea (pense por exemplo no que se tornou o Carnaval) e ignoramos a felicidade que está bem aqui do nosso lado, todos os dias, com cheiro de roupa lavada...

Carol