Quando eu fui ao Brasil visitar minha família nesse meio do ano, houve em geral uma grande surpresa (como era de se esperar) sobre a minha gravidez. Todos a nossa volta ficaram extremamente felizes com a notícia, pois um neném novo na família é sempre motivo de muita celebração. E claro que é. Uma vida nova é um milagre novo nesse mundo. Quando eu páro pra pensar na complexidade e na dividade que há na formação de qualquer vida (não só a do ser-humano) eu fico mesmo perplexa.
Com isso, vêm também todas as celebrações da gravidez, especialmente no Brasil, e eu diria muito mais do que em qualquer outro lugar. Existe no Brasil uma cultura que aqui se apelidou de "yummy-mummies". As mulheres grávidas ficam "lindas" porque estão grávidas. Elas reluzem! Elas atigem a sua "plenitude" como ouvi de muita gente.
Que eu deixe claro o seguinte: eu respeito - e muito - o milagre da vida. Eu também aprecio muito o fato de que mulheres grávidas tenham o espaço pra se sentirem lindas e não menos atraente do que se sentiam quando tinham 15Kg a menos. Mas eu me irrito profundamente, com as expectativas (as vezes irreais e um tanto opressoras) que existem ao redor de uma mulher grávida, e acho que tudo isso deve começar a ser sériamente repensado.
Em nossa sociedade ocidental, existe uma necessidade de se achar rótulos: verdades e receitas que se apliquem pra todos e que servem quase como uma receita pro sucesso. Na verdade, eu acho que é uma necessidade de narrativa comum, ou uma necessidade de se explicar o caos em que muitos de nós vivemos. Essas "verdades" geralmente vem cheias de um contexto cultural e mudam de país pra país, e refletem a imagem ideal da pessoa, do núcleo familiar, da dinâmica ecônomica e do lugar que devemos ocupar na sociedae, etc. Por exemplo: uma das "verdades" quase que inquestionáveis dai do Brasil, é que "a mulher grávida atinge sua plenitude", que "a gravidez é o maior presente que Deus pode dar pra uma mulher".
Eu ouvi isso de tanta - TANTA - gente, que não tem como eu não comentar. Pra início de conversa, que queria saber quem foi que inventou essas "verdades" e em que século ele viveu, porque eu tenho certeza que foi um homem e que deve ter vivido lá pelo século 19. Será mesmo que uma mulher em pleno século 21 só se sente plena ao ter um filho?
Eu não tenho como generalizar nada, nem comentar o que é certo ou errado pra cada um, mas eu tenho como dizer o seguinte: essa frase definitivamente não se aplica no meu caso, e eu gostaria muito, mas muito mesmo, que as pessoas fossem mais sensíveis ao entender que como cada ser humano vem nesse mundo com uma trilha única, é impossível que essas verdades se apliquem a todos eles... Senão não seríamos únicos, certo? E certamente, verdades tem que ser re-avaliadas com o tempo, e pessoas talvez as vezes necessitem de espaço pra achar a sua própria verdade.
No Brasil falta isso: espaço. Espaço pra conversarmos sobre gravidez mais sinceramente. Espaço pra mulheres serem o que realmente quiserem ser. Se elas se sentem plenas sendo mães, maravilha. Se não, seria legal saber que não vão ser menos mulheres por tentar encontrar outro caminho.
No meu caso, quando eu fiquei grávida, o meu primeiro trimestre foi um saco! Eu não conseguia cozinhar, não conseguia comer, vomitava sempre, me enchi de espinha, estava sempre cansada, meus hormônios bagunçaram completamente minha vida emocional e fiquei mais sensível que noiva em dia de casamento (e todo o dia!). Também tampouco queria saber de sexo, e toda vez que eu tinha ataques de espirro (porque tenho muita alergia a pó) ou tossia mais forte, eu fazia xixi nas calças, porque já não conseguia mais controlar minha bexiga.
Plenitude? Eu vou ser muito, muito sincera: o mais perto que eu ja cheguei de sentir qualquer sensação de estar plena em mim e no meu ser, foi no Algarve em Portugal. Eu comia frutos do mar, na beira do Oceano Atlântico, sentindo uma brisa morna fazer cócegas no meu pescoço, enquanto meu marido ficava ali do meu lado, olhando o mundo e contemplando os mistérios do céu e da terra comigo. E bebíamos vinhos deliciosos, feito ali mesmo no Algarve, enquanto eu escrevia poesia no meu caderninho, esperando ansiosa o céu completamente estrelado que caía diante de nós, com uma quietude serena no ar e a promessa de uma noite sensual e plena.
Se eu ouvisse mais uma pessoa impondo em mim a expectativa de que eu me sentisse plena eu acho que mandava o indivíduo ou a indivídua as favas. Eu estou grávida e estou extremamente feliz por isso, mas eu nunca, nunca duvidei sequer por um segundo, do trabalho árduo que vem com o contrato que a gente faz com Deus em se ter um filho. E eu detesto romantizar o que é muito óbvio: gravidez é um momento sensível - e único - em que tudo muda, dentro e fora da gente. E só quem está passando por ela, sabe mesmo que está sentindo. Existem mulheres com três filhos que tiveram experiências completamente diferentes durante as três vezes em que estiveram grávidas. Existem mulheres que se sentem absolutamente plenas, sem dúvida. Mas existem também mulheres que detestam estar grávida, mas que ficam se sentido isoladas, e sufocadas, porque Deus as proteja se elas ousarem ser sinceras a respeito de sua experiência longe da plenitude esperada (e muitas vezes imposta) pela sociedade Brasileira. E ai não duvido que elas sofram não só de depressão pós-parto, mas depressão pré-parto.
Eu sempre soube por exemplo, mesmo antes de ficar grávida, que eu não sou o tipo de mãe que vai querer ficar em casa. Aliás, eu acho que se isso acontesse, eu seria uma péssima mãe e entraria em depressão e seria então um estorvo pro meu próprio filho. Tem mulher que não, pelo contrário, se recusa a voltar a trabalhar, e descobre na maternidade tudo o que sempre procurou. O que eu estou querendo dizer é que existem vários seres-humanos nesse mundo e que cada um sabe do que precisa pra seguir adiante e pra se sentir pleno, ou plena, refletindo sobre as nossas necessidades, e como podemos seguir adiante da melhor maneira possível, sem arrependimentos.
No meu caso, graças a Deus a gravidez mesmo tem dado uma trégua no segundo trimestre, e eu estou começando a me sentir mais comfortável. Voltei a cozinhar sem vomitar ao sentir o cheiro de legumes cozidos, passei a comer de novo com gosto, passei a sentir a neném mexer o que pra mim é extremamente excitante (mas nem sempre prazeroso), e passei a me acostumar com meu corpo desengonçado. Tenho também tentado "me encontrar" na minha condição de grávida e de futura mãe e pra isso, escrevo um diário pra minha filha, em que conto histórias de família, ou descobertas que tenho feito com a própria gravidez.
Mas eu estaria mentido se eu dissesse que só isso basta. Há algumas semanas atrás, eu andava num super baixo-astral, quase que depressiva mesmo, porque não consegui nenhum emprego fixo como professora, e não tinha nenhuma perspectiva de avanço profissional ou intelectual e isso me deixou quase pirada. E o pior, passei a carregar um sentimento de culpa intenso, porque afinal de contas, minha bebê está saudável e bem, então como eu ousava querer mais? Ou me sentir insatisfeita?
Foi ai que eu comecei a perceber que a fórmula não se aplica, e que a gente só pode descobrir mesmo o que precisa, quando passamos a refletir nas nossas próprias experiências e com sinceridade. E pra mim, pro meu balanço mental e pra minha plenitude, é óbviamente necessário que outros aspectos do meu ser sejam exercitados, além de exercer o papél de mãe. E reconhecer e apreciar isso é extremamente importante não só pro meu bem pessoal, mas porque é também um exemplo de auto-conhecimento e auto-aceitação que eu espero passar pra minha filha (seja íntegra e ouça o que está dentro de você, pois só você guarda as suas respostas).
A verdadeira sensação de plenitude vem (eu acho) da sensação de balanço e paz interior que existe (em muitas vezes momentáriamente) de se estar presente e se sentindo completa. Isso muda de pessoa pra pessoa e mesmo em cada pessoa, o que é ser pleno muda de acordo com o que está vivendo, com o tempo e lugar em que se encontra.
Hoje posso dizer que me sinto plena. Estou satisfeita com a gravidez, meu bebê é saudável, e estou cercada de pessoas que amo. E apesar de não ter conseguido um emprego, consegui uma vaga num programa de Mestrado em Educação, que é algo que tem mes estimulado extremamente, e me dado muito prazer, pois tenho refletido muito, e escrito muito.
Eu espero que ao dividir minha história, eu tenha pelo menos dado licensa pra qualquer mulher que saiba que sua verdade é um pouco, ou muito diferente daquela que é imposta pela cultura patriarcal brasileira, que existe sim muitas outras mulheres que não se encaixam ou se identificam com apenas um modo aceitável de plenitude. Que Deus manda diáriamente, vários presentes divinos na nossa vida, e que ter um filho é apenas um dele - e pra algumas mulheres nem é o presente certo... Existe sim, um espaço pra você encontrar e traçar o seu próprio caminho. E quanto mais mulheres decidirem relatar suas histórias, e se permitirem apenas ser sinceras, outras tantas vão achar mais espaço, e quem sabe um dia, mudem-se inclusive as expectativas do que é ser mulher. Quem sabe um dia, simplesmente não criemos mais expectativas, e simplesmente passamos a aceitar com honestidade, que cada um se sente pleno da sua maneira.
Porque como já disse Keats, "beleza é verdade, e verdade é beleza".
Carolina
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(O Porto Feminino é um blog sem fins lucrativos, que existe desde 2007. Todos os textos foram escritos por Carolina Miranda, e são portanto de autoria original. Não existe qualquer vínculo entre o Porto Feminino e o Porto Feminino Shop).
20/09/2010
A hora é sempre essa. Não existe outra.
Estou a essa altura, devendo dois postings pro Porto! Desde meu último texto, tantas coisas mudaram que nem sei por onde começar. Mas... Como eu disse no texto anterior, aqui na América do Norte, Setembro traz um cheiro de renovação, de mudança, de frutas frescas de outono.
Uma coisa muito importante, e que altera completamente o rumo das minhas reflexões do meu blog, e que estou devendo já há alguns meses pra qualquer leitor que páre por aqui, é dividir o fato de que meu marido e eu estamos esperando nosso primeiro (e talvez único) filho. Na verdade, filha.
Estou grávida de cinco meses, e não revelei o acontecido antes, por várias razões: primeiro porque quando tudo aconteceu, eu confesso que fiquei chocada. Feliz, porém chocada. E segundo porque logo depois disso entrei de férias, e precisava realmente do Santo descanso, como já comentei.
Como tanto do meu questionamento no ano passado disse respeito justamente ao fato de eu me permitir ou não ficar grávida, acho que muitas pessoas podem querer a saber como foi então que eu resolvi? A resposta mais sincera na verdade é que eu não me resolvi. Eu vi que quanto mais eu me questionava, mais eu pensava, mais eu ponderava, mais eu rodava em circulos, e não chegava em lugar nenhum. Então a única decisão que eu realmente foi largar tudo e deixar Deus tomar um pouco das rédeas da minha vida. Dividir as responsabilidades com Ele. Fiquei pensando "e se eu nem puder ter filho?" Chega uma hora que a gente percebe que quanto mais controle a gente quer ter, menos a gente tem. E com isso vem uma humildade plena de saber que o que tiver que ser vai ser, então o melhor é mesmo se entregar pra vida.
Quem também está se perguntando se eu esperei pela "hora certa" pra me entregar pra vida, a resposta é não. Eu ainda não tenho um emprego fixo, ainda não fiz minha carreira do jeito que eu quero, ainda não tenho meu Mestrado (ou meu doutorado) e ainda tem muita, muita coisa que eu quero fazer nessa vida. Mas ai entrou outra questão - quanto mais eu analisava e tentava adivinhar qual seria a hora certa, menos eu encontrava qualquer dica de quando isso seria. Como eu tenho muitos sonhos pessoais, parecia nunca haver uma brechinha de tempo sobrando pra me comprometer com um ser-humano da minha própria criação pelos próximos 25 anos (como disse uma amiga minha). Então percebi que a hora certa não necessariamente existe... Mas que eu corria o risco de acabar só com a hora errada. Eu tenho 29 anos (por isso posso contar com um pouquinho mais de tempo), mas meu marido já tem 47. E ai me deparei com um jogo de xadrez contra o tempo em que ou eu ou ele uma hora, iríamos dar um xeque-mate.
Enfim. O que posso dizer é que acho que não deu nem três semanas depois de eu ter "largado tudo" e engravidei. Talvez um mês... O que eu costumo dizer é que Deus correu pelo céu procurando alguma alma que quisesse se implantar no meu ventre enquanto ainda tivesse tempo, porque Ele sabia que se eu voltasse a pensar novamente, talvez a oportunidade passasse... E deve mesmo ter sido um corre-corre lá no céu. E agora, cinco meses depois, estamos esperando uma menininha... E que vai ser muito amada e bem-vinda, e que vai mudar a nossa vida de vez, pra sempre, sem dúvidas.
Como esse é realmente meu primeiro texto em Setembro de 2010, fico por aqui. Já nesses cinco meses, muitas coisas mudaram, muitas coisas me fizeram pensar e a impressão que tenho é que já existe material pra eu escrever um livro inteiro, imaginem então um blog. Mas por hora, fico por aqui com a seguinte (sincera) mensagem: pra qualquer pessoa que venha a ler meu blog e que como eu me senti, se sente perdida, rodando em circulos, eu te desejo paz. Eu espero que uma hora você tome a coragem de parar de rodar, de parar de querer controlar tanto o seu próprio caminho e que você se permita deixar ser guiada por uma força maior de um mistério tão profundo, que nunca teríamos a capacidade de reproduzir com nossas próprias mãos.
Pra você, talvez isso signifique se permitir carregar um filho. Pra um outro você, talvez isso signifique largar tudo e viajar pela India. Para um outro você, isso talvez signifique largar um emprego que odeie, só pra conseguir abrir uma outra porta e ver o que está te esperando do outro lado.
Mas de qualquer forma, o importante é parar de rodopiar. E tentar (nem que seja de vez em quando), se deixar levar.
Carolina
04/09/2010
De volta ao batente
Esse é o primeiro fim de semana de Setembro em 2010, e com isso, o ano aqui no Canadá atinge um marco meio renovador: a volta as aulas. Uma das coisas mais estranhas que encontrei por aqui, foi essa sensação de que o ano começa em Setembro (e não em Janeiro, depois das lindas festas de Reveillón brasileiras). Aqui a coisa é muito menos glamurosa... Mas acho que existe também um indicativo natural e que acaba regulando o relógio biológico da gente, que é o fim do verão. Setembro traz de volta o cheiro de outono, o som das folhas caindo nas ruas, o ventinho gelado, e a fumaça das lareiras tradicionais que ainda não foram substituidas por lareiras a gás.
Com o fim do verão, aparece também a introspecção necessária pra se seguir adiante com um blog como esse. Percebi ao voltar a escrever, que nos últimos meses que estive fora, meu blog foi lido por várias pessoas pelo Brasil a fora, e muita gente de outras nações de língua portuguesa. Confesso que fiquei extremamente surpresa e honrada. Pra esses novos leitores, que apareceram aqui durante o verão norte-americano, eu peço desculpas por não ter escrito nada durante dois meses.
Como vocês já podem imaginar, o verão aqui é intenso e rápido. Dura no máximo 3 meses. E eu, pra ser muito sincera, estava precisando de uma grande dose de vitamina D. Me dei essa folga, essas férias, pra viver fora de mim um pouco. Pra ver, sentir, cheirar, pensar...
Enfim, e agora estou aqui. De volta ao batente. E trago mil novidades e reflexões que ja se formaram durante o verão mesmo, e que aguardo ansiosa pra dividir com quem quiser seguir navegando, e aportando comigo.
Então, como diria a heroína Liz, e Comer, Amar e Rezar: Attraversiamo!
Que venha um novo ano pro Porto Feminino.
Até logo mais,
Carol
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