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(O Porto Feminino é um blog sem fins lucrativos, que existe desde 2007. Todos os textos foram escritos por Carolina Miranda, e são portanto de autoria original. Não existe qualquer vínculo entre o Porto Feminino e o Porto Feminino Shop).

20/09/2010

Da minha "plenitude", só eu entendo...

Quando eu fui ao Brasil visitar minha família nesse meio do ano, houve em geral uma grande surpresa (como era de se esperar) sobre a minha gravidez. Todos a nossa volta ficaram extremamente felizes com a notícia, pois um neném novo na família é sempre motivo de muita celebração. E claro que é. Uma vida nova é um milagre novo nesse mundo. Quando eu páro pra pensar na complexidade e na dividade que há na formação de qualquer vida (não só a do ser-humano) eu fico mesmo perplexa.

Com isso, vêm também todas as celebrações da gravidez, especialmente no Brasil, e eu diria muito mais do que em qualquer outro lugar. Existe no Brasil uma cultura que aqui se apelidou de "yummy-mummies". As mulheres grávidas ficam "lindas" porque estão grávidas. Elas reluzem! Elas atigem a sua "plenitude" como ouvi de muita gente.

Que eu deixe claro o seguinte: eu respeito - e muito - o milagre da vida. Eu também aprecio muito o fato de que mulheres grávidas tenham o espaço pra se sentirem lindas e não menos atraente do que se sentiam quando tinham 15Kg a menos. Mas eu me irrito profundamente, com as expectativas (as vezes irreais e um tanto opressoras) que existem ao redor de uma mulher grávida, e acho que tudo isso deve começar a ser sériamente repensado.

Em nossa sociedade ocidental, existe uma necessidade de se achar rótulos: verdades e receitas que se apliquem pra todos e que servem quase como uma receita pro sucesso. Na verdade, eu acho que é uma necessidade de narrativa comum, ou uma necessidade de se explicar o caos em que muitos de nós vivemos. Essas "verdades" geralmente vem cheias de um contexto cultural e mudam de país pra país, e refletem a imagem ideal da pessoa, do núcleo familiar, da dinâmica ecônomica e do lugar que devemos ocupar na sociedae, etc. Por exemplo: uma das "verdades" quase que inquestionáveis dai do Brasil, é que "a mulher grávida atinge sua plenitude", que "a gravidez é o maior presente que Deus pode dar pra uma mulher".

Eu ouvi isso de tanta - TANTA - gente, que não tem como eu não comentar. Pra início de conversa, que queria saber quem foi que inventou essas "verdades" e em que século ele viveu, porque eu tenho certeza que foi um homem e que deve ter vivido lá pelo século 19. Será mesmo que uma mulher em pleno século 21 só se sente plena ao ter um filho?

Eu não tenho como generalizar nada, nem comentar o que é certo ou errado pra cada um, mas eu tenho como dizer o seguinte: essa frase definitivamente não se aplica no meu caso, e eu gostaria muito, mas muito mesmo, que as pessoas fossem mais sensíveis ao entender que como cada ser humano vem nesse mundo com uma trilha única, é impossível que essas verdades se apliquem a todos eles... Senão não seríamos únicos, certo? E certamente, verdades tem que ser re-avaliadas com o tempo, e pessoas talvez as vezes necessitem de espaço pra achar a sua própria verdade.

No Brasil falta isso: espaço. Espaço pra conversarmos sobre gravidez mais sinceramente. Espaço pra mulheres serem o que realmente quiserem ser. Se elas se sentem plenas sendo mães, maravilha. Se não, seria legal saber que não vão ser menos mulheres por tentar encontrar outro caminho.

No meu caso, quando eu fiquei grávida, o meu primeiro trimestre foi um saco! Eu não conseguia cozinhar, não conseguia comer, vomitava sempre, me enchi de espinha, estava sempre cansada, meus hormônios bagunçaram completamente minha vida emocional e fiquei mais sensível que noiva em dia de casamento (e todo o dia!). Também tampouco queria saber de sexo, e toda vez que eu tinha ataques de espirro (porque tenho muita alergia a pó) ou tossia mais forte, eu fazia xixi nas calças, porque já não conseguia mais controlar minha bexiga.

Plenitude? Eu vou ser muito, muito sincera: o mais perto que eu ja cheguei de sentir qualquer sensação de estar plena em mim e no meu ser, foi no Algarve em Portugal. Eu comia frutos do mar, na beira do Oceano Atlântico, sentindo uma brisa morna fazer cócegas no meu pescoço, enquanto meu marido ficava ali do meu lado, olhando o mundo e contemplando os mistérios do céu e da terra comigo. E bebíamos vinhos deliciosos, feito ali mesmo no Algarve, enquanto eu escrevia poesia no meu caderninho, esperando ansiosa o céu completamente estrelado que caía diante de nós, com uma quietude serena no ar e a promessa de uma noite sensual e plena.

Se eu ouvisse mais uma pessoa impondo em mim a expectativa de que eu me sentisse plena eu acho que mandava o indivíduo ou a indivídua as favas. Eu estou grávida e estou extremamente feliz por isso, mas eu nunca, nunca duvidei sequer por um segundo, do trabalho árduo que vem com o contrato que a gente faz com Deus em se ter um filho. E eu detesto romantizar o que é muito óbvio: gravidez é um momento sensível - e único - em que tudo muda, dentro e fora da gente. E só quem está passando por ela, sabe mesmo que está sentindo. Existem mulheres com três filhos que tiveram experiências completamente diferentes durante as três vezes em que estiveram grávidas. Existem mulheres que se sentem absolutamente plenas, sem dúvida. Mas existem também mulheres que detestam estar grávida, mas que ficam se sentido isoladas, e sufocadas, porque Deus as proteja se elas ousarem ser sinceras a respeito de sua experiência longe da plenitude esperada (e muitas vezes imposta) pela sociedade Brasileira. E ai não duvido que elas sofram não só de depressão pós-parto, mas depressão pré-parto.

Eu sempre soube por exemplo, mesmo antes de ficar grávida, que eu não sou o tipo de mãe que vai querer ficar em casa. Aliás, eu acho que se isso acontesse, eu seria uma péssima mãe e entraria em depressão e seria então um estorvo pro meu próprio filho. Tem mulher que não, pelo contrário, se recusa a voltar a trabalhar, e descobre na maternidade tudo o que sempre procurou. O que eu estou querendo dizer é que existem vários seres-humanos nesse mundo e que cada um sabe do que precisa pra seguir adiante e pra se sentir pleno, ou plena, refletindo sobre as nossas necessidades, e como podemos seguir adiante da melhor maneira possível, sem arrependimentos.

No meu caso, graças a Deus a gravidez mesmo tem dado uma trégua no segundo trimestre, e eu estou começando a me sentir mais comfortável. Voltei a cozinhar sem vomitar ao sentir o cheiro de legumes cozidos, passei a comer de novo com gosto, passei a sentir a neném mexer o que pra mim é extremamente excitante (mas nem sempre prazeroso), e passei a me acostumar com meu corpo desengonçado. Tenho também tentado "me encontrar" na minha condição de grávida e de futura mãe e pra isso, escrevo um diário pra minha filha, em que conto histórias de família, ou descobertas que tenho feito com a própria gravidez.

Mas eu estaria mentido se eu dissesse que só isso basta. Há algumas semanas atrás, eu andava num super baixo-astral, quase que depressiva mesmo, porque não consegui nenhum emprego fixo como professora, e não tinha nenhuma perspectiva de avanço profissional ou intelectual e isso me deixou quase pirada. E o pior, passei a carregar um sentimento de culpa intenso, porque afinal de contas, minha bebê está saudável e bem, então como eu ousava querer mais? Ou me sentir insatisfeita?

Foi ai que eu comecei a perceber que a fórmula não se aplica, e que a gente só pode descobrir mesmo o que precisa, quando passamos a refletir nas nossas próprias experiências e com sinceridade. E pra mim, pro meu balanço mental e pra minha plenitude, é óbviamente necessário que outros aspectos do meu ser sejam exercitados, além de exercer o papél de mãe. E reconhecer e apreciar isso é extremamente importante não só pro meu bem pessoal, mas porque é também um exemplo de auto-conhecimento e auto-aceitação que eu espero passar pra minha filha (seja íntegra e ouça o que está dentro de você, pois só você guarda as suas respostas).

A verdadeira sensação de plenitude vem (eu acho) da sensação de balanço e paz interior que existe (em muitas vezes momentáriamente) de se estar presente e se sentindo completa. Isso muda de pessoa pra pessoa e mesmo em cada pessoa, o que é ser pleno muda de acordo com o que está vivendo, com o tempo e lugar em que se encontra.

Hoje posso dizer que me sinto plena. Estou satisfeita com a gravidez, meu bebê é saudável, e estou cercada de pessoas que amo. E apesar de não ter conseguido um emprego, consegui uma vaga num programa de Mestrado em Educação, que é algo que tem mes estimulado extremamente, e me dado muito prazer, pois tenho refletido muito, e escrito muito.

Eu espero que ao dividir minha história, eu tenha pelo menos dado licensa pra qualquer mulher que saiba que sua verdade é um pouco, ou muito diferente daquela que é imposta pela cultura patriarcal brasileira, que existe sim muitas outras mulheres que não se encaixam ou se identificam com apenas um modo aceitável de plenitude. Que Deus manda diáriamente, vários presentes divinos na nossa vida, e que ter um filho é apenas um dele - e pra algumas mulheres nem é o presente certo... Existe sim, um espaço pra você encontrar e traçar o seu próprio caminho. E quanto mais mulheres decidirem relatar suas histórias, e se permitirem apenas ser sinceras, outras tantas vão achar mais espaço, e quem sabe um dia, mudem-se inclusive as expectativas do que é ser mulher. Quem sabe um dia, simplesmente não criemos mais expectativas, e simplesmente passamos a aceitar com honestidade, que cada um se sente pleno da sua maneira.

Porque como já disse Keats, "beleza é verdade, e verdade é beleza".

Carolina

Um comentário:

SinháLena disse...

Olá Carol!...Menina!!! há quanto tempo você deixou de atualizar este seu blog.
Querida... mostra a casa nova... a linda Agnes atual. Beijos.