Muita gente me julgou por aqui, quando resolvi largar de vez o teatro. Muitos acharam que eu tinha escolhido a vida capitalista, e que tinha deixado de priorizar a arte, etc. Eu mesma me julguei, mas ainda assim, algo muito forte dentro de mim dizia que aquele não era o meu caminho. Depois de muito erro e auto-flagelação, tomei coragem e disse: não. O que eu falhei ao perceber na época, e que hoje está mais claro, é que o meu problema por muitas vezes foi a vaidade: vaidade de deixar algo em que eu realmente era boa e fazia sucesso, vaidade em deixar uma arte em que se é o centro das atenções... Não estou falando da vaidade física (apesar dessa também ser um problema sério pra muitos, inclusive pra mim, e especialmente ai no Brasil). Estou falando da vaidade que temos ao pensar que somos insubstituíveis, e que se deixarmos um barco pra procurar outros barcos, aquele barco que deixamos afunda...
Outro dia eu vi um vídeo que meu irmão mandou pra mim, e uma frase me marcou muito. "Se todos os insetos desaparecessem da face da terra, em 50 anos não haveria mais vida na terra. Se todos os humanos desaparecessem, em 50 anos, todas as espécies de vida floreceriam como nunca antes" Jonas Salk.
Fiquei com isso na cabeça, e olhando pros passarinhos que vem comer no meu quintal. Fiquei olhando pras árvores que tem na trilha que fica aqui atrás de casa... E percebi o quanto eu não sou importante pra esse mundo. A nossa vaidade gosta de fazer a gente pensar que é. Claro que somos importantes na medida em que formamos relações humanas, de amor, de apego, mas se pararmos realmente pra pensar, o mundo do teatro, da educação, da escrita, não pararia de girar caso eu morresse hoje, ou amanhã. Os buracos fundos ficariam mesmo é nas nossas relações familiares, e de afeto.
Por isso, estou tentando ao máximo colocar mais perspectiva no que faço. Não é fácil limpar a alma, e a vida de vaidades. Por todos os lados, existem mensagens a todo momento nos lembrando de que se não somos assim ou assado, se não temos isso ou aquilo, de que então não somos ou não temos o suficiente. Ou de que se abandonamos um projeto, seremos mal vistos, julgados - ou como fracos (faltou coragem pra ir adiante), ou como egoístas (só pensa em si mesmo). Eu sempre tive muito problema com a vaidade; sempre quis agradar, provar ao mundo quem eu era, ao ponto de esquecer o que realmente eu penso, ou o que eu quero, ou o que eu sinto.
Ter largado o teatro foi uma das melhores coisas que eu fiz pra minha sanidade, saúde e paz de espírito. Aprendi a reconhecer que pra mim uma rotina é extremamente importante, que poder escolher ficar em casa numa sexta a noite tomando vinho é fundamental. Minhas ambições alimentaram minhas vaidades de tal forma que por muito tempo quase esqueci de priorizar o que realmente importa na minha vida - bicho, planta, casa, crianças, e família.
O fato de eu ser completamente sonhadora e querer sempre contribuir pra um mundo melhor também as vezes atrapalha, porque os sonhos também se intoxicam por vaidades. É claro que eu quero um mundo melhor - não teria sentido viver a vida sem a tentativa de evoluir como ser-humano. Porém tenho que lembrar que nesse mundo existem mais de 7 bilhões de pessoas, e que eu não preciso ser a única responsável pra mudá-lo.
Queria também mencionar a história de Fernando Pessoa, que eu acho que nem todos se dão conta, lembram, ou páram pra pensar quando lêem a sua poesia. Fernando Pessoa - seguramente um dos maiores e mais importantes poetas da língua portuguesa, publicou apenas um livro antes de sua morte: Mensagem - e mesmo assim, morreu apenas um ano depois de sua publicação. Quando ouvimos falar de Fernando Pessoa hoje, fantasiamos sobre o famoso poeta e escritor - que ele sem dúvida foi. Mas a palavra "famoso", o contexto de glamour, quem traz essa bagagem pra conversa somos nós, com nossa própria fantasia. Do homem Pessoa sabemos pouco e o que sabemos, é relativamente ordinário e triste.
O que eu aprendi nos últimos anos, é que a nossa contribuição pro mundo será ou não significativa, na medida que nos aproximamos mais da nossa verdade interior, sem nos preocuparmos em fazer fans, em agradar, em nos fazer ouvir. Apenas ser quem somos é o suficiente - o problema é primeiro descobrir quem somos, e depois ficar em paz com a descoberta. Quando eu penso em Pessoa, eu dou graças a Deus dele ter tido tão pouca vaidade e ter continuado a escrever, sem se desistir diante do fato de não ser publicado. Escrever é o que lhe era essencial.
E assim vou humildimente vivendo. Ensinando crianças a ler, a serem eles mesmo, a pisarem nesse mundo com graça, delicadeza, e afeto, a serem gentís com eles mesmo. Vou vivendo catando o lixo na beira do rio que eu amo sem que mais ninguém na minha vizinhança saiba ou perceba, fazendo bolos e saladas, brincando com cores e texturas. Sigo amando o silêncio da minha casa, e a presença carinhosa do meu marido e da Dona Lola. Acima de tudo, vou vivendo me permitindo ser o suficiente.
Termino aqui dividindo uma oração que ouvi pela primeira vez em uma entrevista com a Rosanne Cash: "Eu rendo minhas vontades, pra vontade do universo absoluto" - ou como (invarieavelmente) já disse a Clarice: "Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece, como mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."
Namastê
2 comentários:
muito lindo, meu amor. gostei muito desse 'post', e eu tá torcendo pra você, sempre.
Entender que somos muito pequenos para mudar esse mundo formado por 7 bilhões é tão difícil, não é? Mas talvez se cada um de nós tomasse essa decisão de valorizar "bicho, planta, casa, crianças, e família", quem sabe não viveríamos em um mundo melhor?
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