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13/06/2010

A herança do Pão de Queijo

Eu nunca fui uma cozinheira de mão cheia. Na verdade, quando me mudei pro Canadá, eu mal sabia ferver leite... Me empenhei muito nesses últimos sete anos pra poder tomar conta de mim, me nutrir, e me abri não só pra os sabores da culinária, mas também pros prazeres que traz cozinhar. Agora, tenho que ser sincera: não foi fácil sair do armário pra esse meu novo amor. Mulher na cozinha pra mim sempre foi um símbolo de tudo que eu não queria ser na vida, e que contradizia toda a minha perspectiva feminista. Porém, sem minha mãe por perto (que cá entre nós, fazia o arroz e feijão de cada dia, mas nunca associou prazer com cozinha) sem o bandeijão da USP, e sem nenhum restaurante por kilo por perto, ou eu aprendia a cozinhar, ou a coisa ia ficar muito feia... Comprei vários livros, me dediquei a ler blogs, e percebi a beleza que existe no ato de se preparar uma refeição. Foi como se eu tivesse me permitido atravessar pelo espelho, e um mundo inteiro se abriu diante de mim. Um mundo de cores vivas, de infinitas texturas, de tradições antigas, de riqueza cultural, e claro, de sabores mil. Claro que cozinhar todo dia estressa. Tem vezes que não sei o que vamos comer no jantar, e colocamos uma pizza congelada no forno. Mas hoje, quando eu me proponho a cozinhar, eu me rendo e foco nos prazeres, ao invés de me debater com a tarefa (talvez menos árdua pra mim do que pra outras mulheres, uma vez que meu marido querido sempre cuida da louça). A importância da cozinha ficou nitidamente clara pra mim neste último fim de semana. Faz já um mês, eu estou salivando pra comer um pão de queijo quentinho. Não existem muitos lugares aqui em Ontario em que se encontram pão de queijo - talvez em Toronto, com um pouco de sorte. Geralmente minha mãe manda uns pacotinhos de mistura preparada pra pão de queijo mas esses acabaram e como estou indo pro Brasil em breve pra uma visitinha, eu achei que aguentaria esperar. Ingenuidade minha. Na sexta a noite não aguentei - ou eu comia um pão de queijo, ou eu ia sair do sério. Liguei pra todas as padarias portuguesas e brasileiras da região - nenhuma tinha o meu pãozinho. E foi então que meu marido sugeriu que eu procurasse uma receita na internet... Agora, eu ja tentei procurar uma receita... Desde que cheguei, um dos meus maiores desafios em fazer pratos brasileiros é saber a tradução exata dos ingredientes. Com o pão de queijo não foi diferente - faz sete anos que eu procuro uma tradução exata pro "polvilho azedo" e não acho (senão eu ja teria feito o tal do pão de queijo há muito tempo). Pois graças a Deus o google se exapende cada vez mais, cada dia que passa, e foi ai que encontrei a descrição exata do que é o polvilho, que é nada mais, nada menos do que fécula de mandioca. É como a maizena está pro milho... BINGO! E fécula de mandioca em inglês é nada mais, nada menos do que "manioc flour". Sim! Tantos anos, e a tal da manioc flour estava ali o tempo todo, só eu que não tinha ligado os pontinhos... Mas não importa. O importante é que no sábado mesmo fui comprar o tal do polvilho, e mandei brasa na receitinha bilingue que eu achei de pão de queijo. Quanto mais eu amassava a massa, mais certeza eu tinha de que finalmente eu tinha ganhado o prêmio máximo da culinária. O meu marido - cauteloso e cuidadoso como sempre, estava preocupado com o tamanho da minha antecipada excitação, com mêdo de que eu me desapontasse (como ja me desapontei tentando fazer requeijão, e rocambole de doce de leite). Mas pra o meu profundo prazer, os 12 pãezinhos de queijo que eu tirei do forno ficaram lindos e deliciosos! E foi assim que na sexta-feira a noite, sentamos eu e o Mike pra tomar um cafézinho com leite, e comer pães de queijos fresquinhos, com manteiga e com queijinho (o mais próximo do requeijão nosso que eu consigo achar aqui). Mas o melhor de tudo, foi ter percebido que se um dia nós tivermos mesmo um filho ou filha, eu vou poder criar nosso filho ou filha com pães de queijos quentinhos, saídos do forno e essa herança não tem preço. Fica aqui então, a minha profunda gratidão a minhas avós que me ensinaram a gostar de acarajé e foular, e a minha mãe que sempre fez um bolinho de cenoura ou de côco no fim de semana. Não sei se um dia eu vou poder passar nenhuma dessas tradições culinárias adiante.. Mas vou fazer o possível pra que - onde quer que eu esteja - eu passe adiante pelo menos um pão de queijo, e um arroz e feijão dentre outras heranças que não tem preço. Pra quem ler esse post, por favor esqueça as calorias, esqueça a culpa, e saborei um pãozinho de queijo por mim. A vida é uma só, e começo a notar cada vez mais que os prazeres mais simples são os que carregam mais histórias, mais verdades, e mais sabores. Carol

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