Aviso Importante:

(O Porto Feminino é um blog sem fins lucrativos, que existe desde 2007. Todos os textos foram escritos por Carolina Miranda, e são portanto de autoria original. Não existe qualquer vínculo entre o Porto Feminino e o Porto Feminino Shop).

31/01/2010

Oficialmente sem juízo

Na sexta-feira, eu fiz uma cirurgia pra remoção dos meus dentes do ciso superiores. Na verdade, eu só nasci com os dois de cima, o que sempre me deu a impressão de que eu era um exemplo avançado da evolução humana. Óbviamente de nada importou a minha percepção do quanto evoluída eu talvez fosse, porque no fim, fui parar na sala de cirurgia do mesmo jeito.

No fim, a cirurgia foi tranquila. De acordo com o cirurgião, os meus dentes foram super fáceis de serem removidos (levaram 30 minutos os dois, ao invés dos 50 minutos que em média se leva - talvez eu seja mesmo um exemplar evolutivo?) A anestesia geral não causou tanto estrago assim (ao que diz o Mike, eu contei a mesma história 3 vezes seguidas pras enfermeiras, mas foi só) e depois, quando cheguei em casa, fiquei de repouso o dia todo. 

Ainda sedada, com gêlo nas bochechas, tomando muita arnica, chá de camomila, e comendo muita comida mole (patê de ovo, sopa, e derivados), eu tive até tempo de fazer um videozinho e mandar pra minha amiga Jú, contando que no fim, não dói tanto assim, e que só incomoda pra falar (foi aliás, a primeira coisa que eu pedi pro Mike me ajudar a fazer - gravar o tal do vídeo! Talvez a anestesia tenha me afetado mais do que parecia...) Mas enfim cá estou eu, curtindo o meu domingo, ainda com bochechas de Betty Boop, contando os dias em que eu vou voltar a comer pão francês, comer comida bem quente,  tomar vinho, e a poder dar risada sem doer muito. Aliás, ja marquei um fondue com amigos pra essa próxima sexta-feira, pra resolver isso o mais rápido possível.  

Porém, nessas de ficar de repouso, eu aproveitei pra me deliciar com um monte de baboseira! Afinal, tiraram meus dentes do juízo, então achei melhor fazer juz... Passei a sexta-feira lendo todas as revistas de fofocas imagináveis, de graça, online. Dai me cansei das fofocas, e resolvi ler um livro só sobre cosméticos, que minha colega no trabalho me emprestou. Quem escreveu foi a Paula Begoun - "Don't go to the Cosmetic Counter Without Me". O livro é uma bíblia da industria de cosméticos, e tem um website dela também que chama Beautipedia - onde você pode pesquisar quais as marcas que ela recomenda de acordo com os ingredientes (quais fazem mal, quais não fazem, quais testam em animais, quais não testam, etc.) Passei o DIA investigando todos os produtos que eu uso e encontrando novas alternativas - de desodorante, ao shampoo, ao creme pros olhos! Uma delícia esse negócio de falta de juízo! Também achei um salão completamente ecológico aqui em Kitchener, e ja marquei depilação, corte, etc. Li o posting da minha amiga Lili sobre o seu novo corte de cabelo e finalmente, comprei uma peruca azul de corte chanel, pra minha fantasia de Coraline pra festa de aniversário a fantasia dos meus pais em Julho!

Enquanto isso, o Mike todo fofo, cuidou de mim o dia todo. Comprou sopas, esquentou as sopas, fez almoço, deu remédio, levou a Lola pra passear... Um amor de marido. 

Nessas e outras, fiquei pensando no alívio que eu senti em ter o meu marido aqui só pra mim, e como eu talvez não tivesse aproveitado meu dia sem juízo, caso a gente tivesse filhos. Não estou fazendo campanha contra filhos, não. Mas não pude deixar de observar como a nossa vida é tranquila, e de como a gente realmente ainda não está preparados pra dividí-la. Eu fiquei de pijama o dia inteiro no sábado, cuidado do meu curso (estou me especializando em Educação Especial) e de uma lista de mais de 300 emails que precisavam ser deletados. Comi quando quis, acordei quando quis, e dormi quando tive vontade. Nessas e outras, não tive como não observar o quanto eu adoro o meu marido, o meu cachorro, e o meu silêncio. E é também contraditóriamente porcausa dessa vida tranquila, com um marido tão querido, que nessas e outras dá vontade de ter filho sim. De querer ter uma chance de colocar no mundo um ser-humano que na melhor das hipóteses, vai misturar o que existe de melhor da gente, e da pessoa que a gente ama. E foi isso tudo que possibilitou uma conversa bem franca entre o Mike e eu. 

A gente conversou sobre as possibilidades de se ter filho, e a nossa conversa foi bem transparente. Aliás, a gente tem se permitido ser cada vez mais honestos um com o outro. E dessa vez o Mike foi bem sincero comigo ao me dizer que na verdade, ele não tinha sonhado em se aposentar pra virar pai em tempo integral. Com a nossa diferença de idade (18 anos, pra quem não sabe) é bem provável que se a gente tiver filho, vai ser o Mike que vai ficar em casa com a criança, e não eu, simplesmente porque quem vai estar no pico da carreira, e ganhando o pão pra família vai ser eu. O que inevitavelmente faz dele o "dono-de-casa". Eu ainda não tinha me dado conta disso assim, tão claramente. 

O que eu achei interessante na nossa conversa, foram duas coisas. Uma é que nunca me passou pela cabeça ser mãe em tempo integral, mas até então, achei que essa questão fosse mais minha do que dele. A outra parte que eu fiquei pensando, é que acho que raramente o homem  questiona a sua posição. Acho que com a maioria dos casais, é quase como uma regra geral: quem faz esses questionamentos são as mulheres. O que eu vou ter que deixar pra trás? Será que eu vou conseguir trabalhar e cuidar da casa ao mesmo tempo? Será que eu gosto mesmo assim de criança pra ter uma  por perto pra uma vida inteira? E todos os meus sonhos? Pra onde vão, e de quantos eu vou realmente ter que desistir? 

Nessa minha vasta existência de quase 30 anos, eu só conheço um homem que tenha se permitido ficar em casa com os filhos, ao invés da esposa. Agora o Mike entrou pro hall of fame também, ao pelo menos se questionar e se colocar nessa posição de maneira real, talvez pela condição da nossa relação e diferença de idade. Ele realmente se viu envolto por essas dúvidas domésticas tanto quanto eu, e está se permitindo questionar também se realmente essa é uma opção que faz sentido pra vida dele, e portanto pra nossa vida. 

Como sempre, não chegamos a conclusão nenhuma sobre os filhos. Mas chegamos a uma conclusão não menos importante na minha opinião: que aqui em casa pelo menos, o que vale pra um, vale pro outro na mesma moeda. O Mike não me acusa de não ser maternal o suficiente, ou de não ser feminina o suficiente só porque eu não me identifico com o papel de mãe 100%.  Acho que na nossa relação, isso acontece porque ele se permite realmente pensar sobre o papel de pai participativo, e não distante. Que se ele for ser pai, vai ter que ser o pai que vai fazer a janta, que vai dar banho, mais até do que eu. E pra ele, esse papel é tão assustador como pra mim, e por razões muito similares. 

Mas enquanto isso...

Fico por aqui assim, com cara de Betty Boop, de pijama, com uma lista de cosméticos deliciosa, uma cachorrinha mais do que dengosa no meu colo, e um marido me mimando o dia inteiro e completamente, oficialmente, sem juízo!

Boop-boop-a-doo pra todos -

Carol

24/01/2010

Por favor, continuem ajudando o Haiti

As notícias estão em todos os lugares. Mais de 500 mil órfãos, mulheres engravidando pra parar de apanhar, e por ai vai.

  • Depósitos de qualquer valor podem ser feitos em nome de SOS Haiti, pelo Banco do Brasil. Agência 1606-3, conta corrente 91.000-7. Os depósitos podem ser feitos de qualquer parte do Brasil nas agências e caixas eletrônicos do BB. 
Fica aqui, o meu minuto de silêncio.

... 

Fé e Filantropia

Não há como ignorar a calamidade pública e o estado em que se encontra o Haiti. Minha semana passou praticamente organizando coleta de dinheiro na escola, conscientizando meus alunos (da primeira série) do que aconteceu por lá, doando dinheiro pra diversas instituições de caridade, e assistindo ao jornal pra tentar entender um pouco qual o meu papel nisso tudo. E como eu expliquei aos meus alunos, infelizmente não há muito o que fazer, a não ser rezar e mandar dinheiro. Pois foi isso que eu fiz durante a semana toda, rezei e mandei dinheiro. Eu também refleti muito, a respeito de algumas coisas que já encontrei. Eu resolvi escrever sobre duas dessas coisas: fé e filantropia.


Eu sempre estive em constante conflito com a minha fé e a minha religião. Quando eu entrei no colegial, eu oficialmente me revoltei contra a religião católica e passei a procurar alternativas. Porque pelo menos uma das minhas verdades interior eu sei: não consigo viver sem fé. Investi em tudo que estava ao meu alcance, mas principalmente no espiritísmo e no budismo chinês. Em nenhuma das duas religiões, eu encontrei uma alternativa que tenha me satisfeito. A constante presença de culpas cavalares no espiritísmo me cansou (não teve um livro que eu li, que doutrinava a felicidade como objetivo, era sempre carma, culpa, carma, culpa, carma). E no fim, o budismo nem religião é (é uma filosofia atéia que não acredita em nenhum Deus). Ai também não deu pra mim. Fiquei anos com uma sensação de vazio, meio a deriva. E apesar de eu continuar achando muito padre hipócrita, a vida me trouxe de volta ao catolicismo (essa redescoberta merece um capítulo a parte, pois a história é como sempre longa e complicada).
Basta dizer que em um momento angustiante da minha vida, a única igreja em que eu sabia sentar e rezar, foi a católica, e foi lá que encontrei algo que pelo menos se parecesse com a tal da misericórdia divina. A conclusão a que cheguei é a seguinte: existem tradições das quais fazemos parte, e que se integram no nosso dia a dia, através da cultura, da literatura, da arte. Negar o meu catolicismo não me fez bem, porque tudo o que eu conheço (e prezo) tem raízes nessa versão da bíblia.
Outro dia estava ouvindo Maria Bethânia, que estava cantando uma música escrita pela Vanessa da Mata (duas artistas que eu venero) e a música estava cheia de referências a Nossa Senhora - só quem é católico pra entender isso. A Virgem Maria, do jeito que conhecemos, não existem em nenhuma outra religião Cristã.
Enfim... O que tenho me proposto é a re-aprender as tradições, e a pelo menos ler (e passar a relmente conhecer) os textos escritos por St. Agostinho, por Sta. Teresa de Ávila, por Madre Tereza.
Dentro dessa imensa (e rica) tradição, complicada, cheia de contradições, eu tenho também redescoberto a minha fé. Porque as contradições são tantas, e tão enormes, que tem lugar pra todo mundo nesse barco: inclusive pra alguém como eu, que não deixa de observar a hipocrisia de muitos padres, mas que também não mais fecha os olhos pra outros católicos que só conseguiram fazer a diferença que fizeram, com a ajuda da sua fé, como a falecida Zilda Arns. Então ficou claro pra mim que renegar a minha tradição é perda de tempo. É mais produtivo aceitar as contradições e encontrar meu lugar dentro delas.
Por isso, nessa última semana eu rezei. Rezei como sabia, as orações tradicionalmente católicas, e outras que funcionam pra mim. Tenho escrito pra Deus, sem muita frescura, porque parece que me foco mais. Seja lá o que Deus for, não há como ignorar o poder que existe na reza. E como eu disse pros meus alunos, nessas horas, a gente só pode rezar... Então por favor, seja lá quem ou o que seja o seu Deus, reze. Se aproxime dele ou dela, e reze. Existe um poder imenso da energia que move esse mundo, e eu espero poder fazer parte dele.

Filantropia
Como eu já disse antes, o Canadá só é o país que é, porque existe uma infinidade de programas filantrópicos e a responsabilidade em contribuir está presente na cultura. Existem organizações maravilhosas no Brasil, e eu resolvi promover um site que tem uma lista bem grande de várias dessas organizações: Filantropia - Portal Brasil
Como professora do sistema público daqui, eu sei bem que um voluntário na minha sala de aula faz toda a diferença do mundo! No momento, além do meu trabalho, eu escrevo no meu blog, eu faço parte de duas organizações, a comissão de estudos sobre a mulher no meu sindicato, e o Teachers Mentors Abroad e estou estudando a possibilidade de me envolver com a Casa da Mulher, onde mulheres e crianças que sofreram violência doméstica recebem ajuda imdiata. Eu doou regularmente pra o World Vision, e pra WWF.
Esse é um lado meu que poucos conhecem no Brasil, mas que eu resolvi dividir pra que de repente traga motivação pra amigos e membros da minha família pra conseguirem (dentro das possibilidades) doar um pouco mais de si. Não existe governo, nem fé, que supra todas as necessidades de uma sociedade. Somos todos responsáveis um pelo outro, e principalmente pelos mais fracos, que precisam de ajuda.

Por hoje eu fico por aqui.
Fiquem com Deus,
Carol


18/01/2010

Diálogo - ou "o caminho do meio II"

     Semana passada recebi novamente, emails carinhosíssimos de amigos e famiília. O da Mari e o da minha tia Dadá me marcaram bastante, porque elas comentaram o quanto se comoveram com meus últimos textos. Eu realmente me surpreendi. Eu nunca escrevo achando que vou conseguir comover alguém. Aliás, eu raramente espero que alguém realmente leia o que eu escrevo, sem ser meus pais, meu marido ou meu irmão. E me levar a sério então... 
     Não porque eu não tenha coisas sérias a dizer, ou sinceras. Mas porque eu realmente não me acho lá essas coisas. Na verdade, quando eu páro pra pensar no que eu já fiz, ou não fiz ainda, me dá sempre uma angústia de que a vida vai passar por mim e eu não fiz juz. E isso é uma das (milhares) questões a que eu pretendo trabalhar esse ano. 
No ano passado, eu fiz muita terapia. Existe uma insegurança dentro de mim que sempre me dá uma sensação de não ter contribuído muito pra esse mundo o quanto eu deveria, e ter tirado muito mais proveito dele do que eu merecia. 
     Enfim, durante a terapia, eu descobri que existem muitas razões pra isso e que me afetaram muito mais profundamente do que eu sequer teria desconfiado quando era mais nova. Algumas delas estão diretamente ligadas a escolhas que eu fiz (e que não devia ter feito), e outras a fatores dos quais eu nunca tive qualquer controle. 
     Um deles, e que eu tive que realmente encarar na terapia, é o meu profundo mêdo da perda, e óbviamente da perda suprema: a morte. Porcausa da recente morte do meu avô, e do email da minha tia Dadá, e da minha amiga Mari (que não falava de morte necessariamente, mas falava de mudanças, e eu sempre associo mudanças com perdas), eu acho que vale a pena refletir e dividir com quem quiser ler, o que eu tenho descoberto sobre a morte. 
     Aqui no Canadá, eu tenho aprendido que existem outros jeitos de se lidar com a morte, e que o nosso aí no Brasil não é necessariamente um dos mais saudáveis (antes de me acusem de anti-nacionalista, o tempo que eu passei aqui também me mostrou tudo de bom que a gente tem por ai, e que eles não tem aqui. Mas isso é outro capítulo). 
     Por exemplo, faz 20 anos que minha avó Aurora morreu, e foi essa morte, antiga, que já deveria realmente ter sido enterrada, que me levou no ano passado a voltar pra terapia. Eu percebi que a falta que minha avó fazia ainda me comia a alma. Eu mal podia falar nela que eu ainda soluçava, chorava... Porém o que realmente me remoeu por todos esses anos não foi o fato da minha avó ter morrido. Eu comecei a perceber que o trauma de ter perdido ela tão de repente (morreu da noite pro dia, aos 52 anos, eu acho, depois de uma cirurgia), mais o fato de não me terem deixado ir ao velório (porque na cultura brasileira velório não é "coisa" pra criança), o fato da gente ai no Brasil ter que expressar nossa tristeza apenas de uma forma negativa, chorando muito, ou se guardando, tudo isso cria uma vivência da morte extremamente traumática, e negativa. Eu inclusive tenho a impressão de que o dia que a gente para de chorar ai no Brasil, é como se a gente tivesse perdido o amor por quem morreu, ou como se a gente tivesse parado de sentir falta da pessoa que a gente perdeu... Respirar e dar a volta por cima, sorrir diante da morte ao lembrar os momentos bons, isso não é uma reação fácilmente aceita no Brasil (imagina não chorar no velório!). Mas o que eu tenho visto aqui é que a gente pode realmente tocar a vida pra frente, de verdade, sem perder a memória, o amor, o carinho pela pessoa que se foi. 


     A minha lista da terapia (e de perdas) é grande: eu mudei de escola pra escola, perdi amigos, perdi cachorros (aliás, tem dois cachorros meus de infância, o Dickie e o Rajá que custaram umas três seções terapeuticas inteiras), perdi amigos, perdi família, perdi casas, perdi o que eu sabia, os lugares que eu conhecia. Não estou culpando meus pais não, porque eu sei (hoje) que eles fizeram sempre o que acharam que era melhor pra família toda. Mas eu acho que em algum momento, a gente merece refletir sobre o que marcou nosso passado, pra tentar entender melhor pra onde a gente quer ir no futuro. 
     No fim, eu cresci assim: vivendo perdas e mais perdas, e quando eu virei adolescente, ja não sabia viver sem perder. Dai vem a sensação de que eu estou sempre perdendo alguma coisa com cada escolha de vida que eu faço. E de que qualquer mudança implica só em perda (na minha cabeça), e de que qualquer morte, é um buraco na vida. Na verdade, eu acho inclusive que eu fiz escolhas próprias na minha vida ja sabendo que eu ia perder alguma coisa, ou alguém, porque no fim, essa loucura toda virou um estilo de vida - porque por muitos anos, era a única vida que eu conhecia.
     Hoje eu estou tentado me permitir. Me permitir sentir, me permitir perdoar, me permitir ficar, me permitir ganhar, me permitir amar, me permitir estar. Me permitir olhar pro que eu tenho ao meu redor, e reconhecer as minhas bençãos, sem mêdo do que ficou pra trás ou do que nem veio ainda. Quando eu preciso chorar, eu choro. Mas também fiz um pacto comigo pra me permitir lembrar o que deu certo, do carinho que me foi oferecido, e me permitir lembrar dos meus cachorros, da minha avó, ou do meu avô com alegria e orgulho. 
     E como eu disse pra minha tia,  não sinto mais culpa em lembrar deles sem querer chorar. Não significa que eu não os amo mais. Significa que simplesmente que eu estou em paz comigo mesma, e paz interior, pra mim pelo menos, é um dos sentimentos mais profundos e preciosos que podemos ter. Eu realmente não acho que é amor, não. Amor é delicioso, mas pode ser também perigoso e destrutivo e faz parte dessa vida romântizada com a qual a gente é criado ai no Brasil. Hoje, pra mim, o melhor amor é aquele que traz paz, tranquilidade, serenidade, e segurança. Sem culpa nem mêdo. 
     Outro remorso frequentemente presente na minha terapia é o fato de eu ter ido embora do Brasil. Não tem outro jeito de ser mais direta e sincera do que dizer claramente: é foda. Não o fato de eu estar longe. Mas o fato de eu sentir todas as perdas de longe. Meus avôs morreram e eu não estava ai (bom, pelo menos empatou - não estive presente quando nenhum dos dois morreram). Meus amigos casaram e eu não estava ai. Meus primos estão começando a ter filhos, e eu não estou ai. E toda vez que eu falo com minha avó no telefone, ela me lembra da tortura a qual eu a inflingi - daquele jeito bem português dela mesmo. Cheio de saudade e amargura carregada desde a época de Camões. 
     O que eu posso dizer a respeito desse tópico é o seguinte: eu também estou aprendendo a me permitir, a sentir menos culpa, a sentir mais prazer, e a ver que de alguma maneira, tudo nessa vida realmente se encaixa uma hora ou outra. Que Deus, seja lá "O que" ele for, é realmente um arquiteto do tempo, da vida, e do cósmos. Porque no fim, daqui de longe, eu  ganho (e divido) uma certa distância que me permite olhar pra minha família, e pra mim mesma, com outro ângulo, acrescentando mudanças as vezes bem-vindas, as vezes necessárias. Foi justamente essa distância, essa saudade por exemplo, que me forçaram a remexer nas minhas raízes portuguesas. Me enfiei na cozinha, e aprendi a fazer caldo verde e bolinho de bacalhau, me apaixonei pelo fado, e por cantores contemporâneos como a Sara Tavares. 
     De agora em diante, eu tento honrar mais conscientemente as minhas escolhas (que é o ponto de partida da busca desse blog - será que felicidade é saber simplesmente honrar o que a gente vive?). Sim, eu vim embora. Mas não significa que é fácil, que não dói. Também não significa que eu não tenha encontrado preciosidades, que eu não tenha crescido de uma maneira que possa acrescentar algo novo na vida de pessoas queridas que não vieram comigo. Por exemplo, quando meu avô Mané estava morrendo, eu conversei muito com minha mãe e tentei dividir um pouco, pelo telefone, o que eu achava que aquele momento poderia ser - não só dor. E eu acho que se eu estivesse ai, isso não teria acontecido porque eu não teria tido a oportunidade de aprender a sentir com a morte através de uma outra cultura. Porque no fim, foi aqui nessa outra cultura (menos portuguesa, menos católica), que eu aprendi a olhar pras minhas perdas e pras minhas escolhas com menos culpa, com menos sofrimento, passando a ver nesses momentos, oportunidades de celebração, de perdão, e de delicados laços.
     No fim, eu estou aos poucos, perdendo o mêdo de perder quando algo muda. Eu estou aprendendo a olhar pro que eu ganhei, pro que veio com essa mudança. Eu estou aprendendo a resgatar dentro de mim - e só dá pra achar a minha verdade dentro de mim - o que foi me dado dos meus avós, o que me deram meus cachorros de infância... É com eles, de certa forma, que eu planto jardins de rosas, que eu cozinho com gosto, que eu jogo sinuca e bebo uma pinguinha de vez em quando, e que eu adotei a cadela mais fofa do mundo! 


     Mudança assusta. Perda mais ainda. Morte nem se fale. Mas no fim, a gente tem uma vida inteira pela frente que tem que ser vivida. O que vem depois, eu não sei. Mas nessa aqui pelo menos, eu quero me permitir viver com gosto. Viver com a sensação de que por mais pequena que eu seja, eu sou parte de um todo muito, muito maior. E a esse todo, eu devo a satisfação e a contribuição de viver bem, em harmonia comigo e com o meu próximo, espalhando um mínimo de delicadeza.
Até,
Carol


13/01/2010

Urgente - Ajuda ao Haiti

Se você está como eu, pasmo diante das notícias chocantes sobre o Haiti (que diga-se de passagem, ja sofre o suficiente), e se como eu, você não sabe o que fazer, ou como ajudar, resolvi colocar esse post extra, com a seguinte sugestão:
  • O Banco do Brasil abriu uma conta corrente exclusiva para ajuda ao Haiti. Depósitos de qualquer valor podem ser feitos em nome de SOS Haiti, agência 1606-3, conta corrente 91.000-7. Os depósitos podem ser feitos de qualquer parte do Brasil nas agências e caixas eletrônicos do BB. 
Uma das coisas que aprendi no Canadá é que raramente existe um problema social que não seja da minha conta. É claro que não tenho como ajudar a limpar o mundo, e restaurar a dignidade da humanidade como um todo. Porém, digo muito sinceramente e claramente: o Canadá só é o país que é, porque as pessoas aqui não só dividem seu dinheiro com várias instituições de caridade, como muitas fazem trabalho voluntário. Aliás, pra se formar no colegial aqui, os alunos tem que voluntariar 40 horas, e pra se conseguir a cidadania canadense, você tem que provar que voluntariou em diversas instituições. O trabalho voluntário é parte da constituição e da cultura.
Não temos como ir ao Haiti. Mas também não temos como ignorar. E se não puderem doar dinheiro, por favor, rezem pra esse povo que conhece mais sofrimento do que poderia ser permitido nesse mundo. 
Namastê, Carol

09/01/2010

Costurando Palavras

No fim de semana passado, como eu ja tinha mencionado, mergulhei na primeira parte do livro Amar, Comer, Rezar. Me deliciei com as aventuras de Liz na Itália e que me inspirou a tomar deliciosos chocolates quentes, a fazer um molho pesto de dar água na boca, uma feijoada deliciosa, um patê de alcachofra e queijo de cabra, mas o melhor de tudo, eu me inspirei a comprar uma escrivaninha só pra mim!

No domingo passado mesmo, eu fui com a Sue, uma amiga minha bem mais velha do que eu, num mercado de antiguidades que tem aqui pertinho, na cidadezinha de Cambridge. Já faz dois anos que o Mike e eu moramos na nossa casa, e um dos quartos continuava completamente vazio. Na época em que mudamos, estávamos contemplando talvez fazer dele o quarto do bebê...  A outra possbilidade era torná-lo em um escritório meu. Como a gente estava no limbo, o tal do quarto também ficou no limbo, nem pra lá, nem pra cá... E acabou vazio mesmo, e nos últimos meses, serviu apenas de canil pra nossa nova cadela, a Lola. Eu finalmente me cansei dele assim - aliás, eu odeio cômodo vazio. E nessa abundância de liberação interior foi então que resolvi tomar a iniciativa de achar uma escrivaninha.

O processo foi delicioso. A Sue ja tem mais de 50 anos e é uma mulher linda, delicada, que fala pouco, mas quando fala, diz tudo. Ela nunca usa maquiagem, nunca fez a unha na vida (mantém as unhas curtinhas, limpinhas) e tem um cabelo encaracolado lindo, que ela tinge pra ficar perto da cor natural dela: ruiva. Ela e o marido são bem quietos, e tem apenas um filho. Foi bom sair com ela, porque aqui no Canadá não só existe a pressão pra se ter filho, mas é pressão dobrada, porque filho único aqui é muito mal visto. E eu e o Mike estamos questionando ter ou não ter filho, mas se a gente resolver ter, não tem nem dúvidas na nossa mente de que vai ser um só, ou uma só. Então foi bom sair com a Sue, porque não só eles tem um filho apenas (e por escolha), mas também porque quando o Mike e eu fizemos uma lista das casais que a gente acha que permanceram razoavelmente sanos depois de terem filhos, a gente achou só dois: e a Sue e o Scott foram um deles.

Enfim, fomos eu e a Sue, ao mercado de antiguidades (porque eu adoro coisa velha, e me faz sentir conectada a pessoas que eu nem conheço, e histórias que eu nunca ouvi). E foi andando por lá, conversando sobre nossas escolhas, tentando compreender qual caminho escolher, que eu vi num cantinho, a escrivaninha perfeita: uma mesa de costura da Singer, antiga, com o topo de madeira, e os pés de ferro bem tradicionais, pretos.

O tamanho era ridiculamente perfeito - caberia precisamente entre as duas estantes, debaixo da janela que dá pro meu quintal. Quando comprei a minha antiga mêsa de costura, agora nova escrivaninha, não pude deixar de notar a conexão cabalística com a minha avó, que costurou superbamente a vida inteira. E me aliviou pensar de que alguma forma, alguém continuaria costurando  na familia - mesmo que fossem palavras, no meu caso... Outra coisa que não consegui deixar de notar na mesinha, foi o fato de ela ter um acabamento no topo que praticamente faz ela servir de trocador pra bebê, caso a gente resolva "trocar" a sua função novamente.

Hoje o Mike e eu fomos finalmente buscar a minha mesinha (que não coube no carro dele no fim de semana passado), e estou aqui ja no meu antigo comôdo vazio, quarto de bebê em potencial, recém tornado escritório, escrevendo no meu blog. Estou sentada na minha escrivaninha, virada pro quintal, vendo a beleza do mundo que aparece diante da minha janela (e desculpe Chico Buarque, mas eu não só vejo pela janela, como escolho sair pela porta e viver os tempos que passam por mim, quando eu bem entender...).

A minha reação quando sentei na minha escrivaninha está sendo meio ridícula, comparável a obsessão de criança pequena que ganha o presente perfeito de Natal! Não saio daqui desde 1 da tarde quando chegamos do mercado de antiguidades (ja são mais de 5)... Foi o melhor presente que dei pra mim há muito tempo... Quando finalmente sentei, eu não acreditava como tudo se encaixou tão perfeitamente, e como eu realmente queria isso já há tanto tempo! "Perfeito!" foi o tudo que eu ouvia na minha cabeça, ao sentar, olhar pela janela, e sentir as paredes do quarto que há tanto tempo esperava pra ser habitado soluçarem de alívio.

Uma das minhas resoluções pra 2010 é ser muito mais verdadeira comigo, e com todos ao meu redor. A sensação que eu tenho, é que se a gente diz a verdade, a gente planta os pés no chão com raízes mais fortes. É muito mais difícil a gente se deixar derrubar, quando a gente diz a verdade - não só pros outros - mas pra nós mesmos.

Essas verdades também nos habilitam a fazer escolhas que no fundo, estavam só esperando pra ser escolhidas... Escolhas que ja estavam no nosso coração, mas haviam sido reprimidas. Uma das minhas verdades (eu tenho várias que precisam ser ditas, ouvidas, vividas) é que eu amo o fato de não ter mais que fazer esse quarto esperar pra ser um quarto de bebê. Que eu posso construí-lo pra mim, que eu posso fazer dele um escritório lindo... A verdade é que eu posso viver sem garantias. Eu posso simplesmente viver o que está na minha frente no momento, sem receios e arrependimentos do que ainda nem veio.

E é assim que eu tenho tentado ser. Pisando no chão com mais firmeza e sinceridade, costurando meus pensamentos com palavras que eu considere essenciais, e vivendo mais tranquilamente comigo mesma - e agora com a minha escrivaninha!

Enfim, o passeio com a Sue foi muito bom. Fez bem, e rendeu em vários aspectos. O livro continua delicioso, e cheio de verdades essenciais. Estou entrando no segundo movimento, em que a Liz vai pra Índia, e talvez não tenha sido coincidência o fato de eu ter me inscrito em uma aula de Pilates e outra de Yoga. E com tanta mudança, resolvi dar uma cara nova pro Porto também. Espero que gostem... Esse papel-de-fundo estava lá o tempo todo, e eu não tinha percebido antes (aqui também, acho que não é por coincidência). Mas achei que o blog ficou muito mais bonito, e muito mais fácil de ler também.

E assim continuo seguindo... com uma mêsa de costura que me lembra minha avó, olhando pro meu jardim que me faz pensar no meu avô, saíndo do meu Porto, assim como saiu minha outra avó do seu Porto, e finalmente vivendo e sonhando sonhos que meu outro avô só sonhou.

Acho que agora sim, realmente achei e catei meus pedaços.

Carol



Diálogo - ou "o caminho do meio"

Bom: desde o meu primeiro texto de 2010, eu recebi vários emails de amigos e familiares queridíssimos, e que fizeram essa primeira semana passar com muito mais sentido e emoção. Eu queria responder a cada um deles, mas ai não vou ter tempo pra fazer outra coisa. Então ficam aqui algumas observações e reflexões que essas pessoas queridas causaram em mim. Se não for muita ambição, me proponho sempre escrever duas partes no meu blog - uma constante, chamada diálogo, em que eu vou realmente responder, dialogar... Outra - a inconstante - em que eu vou simplesmente relatar minhas descobertas e observações.

Sobre meu último texto, eu acho que ainda tenho que deixar muito claro e desfazer qualquer mal-entendido a respeito do seguinte: eu não tenho absolutamente nada contra mulheres que escolhem ser mães, e escolhem ficar em casa. O que eu estou tentando entender, é o por quê da insatisfação que muitas mulheres parecem viver, ao se depararem com essa situação. O que eu estou tentando entender é até que ponto escolhemos, até que ponto podemos contribuir pro nosso próprio caminho. Até que ponto essa profunda tristeza em que se encontram minhas amigas daqui é causada por elas mesmas, ou realmente vem com força avassaladora no momento que se tem filhos. Será que a gente realmente perde nossa identidade e referência diante de um bebê, ou será que não nos demos uma chance de nos descobrir, de cuidarmos de nós mesmos, antes de nos comprometermos a cuidar de alguém...

Uma das minhas amigas que me escreveu, a Pati, começou dizendo que ela acredita que no fundo nossas escolhas ja foram feitas muito antes, no nosso amago e que agora a gente vive uma vida ja escolhida... Mas o engraçado é que ela terminou o email com a plena convicção de que no fim, tudo pode mudar, aliás, que tudo muda e somos nós que nos adaptamos. Eu achei isso tão contraditório, e no fundo, é exatamente essa contradição que me fascina. Eu, assim como a Patrizia, acredito profundamente naquela história bem Cristã, de que Deus nos deu um presente, um ofício, e cada um de nós nasce com esse dom particular e único. E devemos descobrir essa missão, esse dom, e nos permitir realizá-lo - tipo um DNA de alma. Mas ao mesmo tempo, eu também não acredito que a força das nossas escolhas não tenham uma influência no universo. Eu acredito que a todo momento, como prega o Budismo, nós temos a oportunidade de compartilhar com o universo, porque fazemos parte dele. E no fim, eu acho que é a maneira como buscamos nossa verdade interior que faz com que tudo mude durante o caminho.

Isso me leva a comentar o email de uma outra amiga querida, a Giovanna, que me escreveu com duas questões que sempre penso a respeito. Ela, assim como eu, casada há não muito tempo, se permite questionar a vontade de não ter filhos. Em inglês, da pra perceber essa sultileza na língua mais claramente... Essa semana mesmo no trabalho, uma colega me perguntou "so - are you considering having a child?" (porcausa da febre de gravidez em que se encontra minha escola - 4 professoras estão gravidas). Pra surpresa geral, eu respondi: "in fact, my husband and I are actually considering not having a child". O que matou a conversa, porque simplesmente, ninguém se permite sequer dialogar a respeito da escolha de não ter filhos. Essa possibilidade de escolha, esse questionamento, essa liberdade de poder pensar sem culpa como traçar nosso caminho - pelo menos quando possível, sem fatalidades - é que eu acho que poucas mulheres se permitem.

Acho que essa é uma das questões centrais na confusão enorme que existe ao redor do conceito de feminismo (como também percebeu a Gi). No meu antigo "Porto" eu escrevi extensivamente sobre a diferença crucial entre o feminismo e o ato de ser feminino, e que um não é necessariamente exclusivo do outro. No começo do meu questionamento - ser ou não ser (mãe) - eu me senti terrivelmente aflita, e vinham imagens de Deus me punindo, pelo fato de eu estar pondo em cheque a minha feminilidade e o uso direto do meu útero. Foi então que eu lembrei de que foi o mesmo Deus que me deu um útero, mas que também me deu um cérebro (ao qual aliás, eu sou bem apegada). Foi quando me dei conta da possibilidade da liberação feminista: se eu acredito tanto assim no meu cérebro, então eu posso me permitir ser o que eu quiser.  Foi então que descobri que eu podia ser feminina com dignidade. Entendi que o fato de eu adorar cozinhar, usar cremes e maquiagem, e vestir echarpes rosas não me fazem menos inteligente, menos competente, menos produtiva (apesar de muita gente ainda deliberadamente denegrir as minhas escolhas cor-de-rosa como "coisas de mulher"). Enfim, ficou mais fácil questionar o uso ou não de um órgão que me foi dado com capacidade reprodutiva, porque é uma parte de um todo muito maior: eu.

Finalmente, a minha querida Lili me lembrou do livro que praticamente me despertou já há 10 anos atrás... Uma Aprendizagem, Ou o livro dos Prazeres, da Clarice Lispector. Eu já li outros livros que me tocaram muito nessa tragetória de 10 anos, mas ao que parece, a jornada da Lori é ainda uma das jornadas interiores mais sinceras das que ouvi falar e ainda me espanta o quanto conversa comigo. Aliás, tentei comprar de novo esse livro (pela sétima vez, porque acabei dando de presente cada edição que eu comprei pra mim), mas infelizmente esgotou na editora. Com relação a livros, termino meu "Diálogo" com uma listinha dos que me marcaram nos últimos anos. Listinha mesmo, porque não foram muitos, mas foram essenciais (sem nenhuma ordem particular):








Finalmente fica aberto então o "Diálogo - ou o 'caminho do meio'", em homenagem a todos os amigos que sempre me ensiram generosidade de espírito, que nunca desistiram de mim, que me mandam carinho mesmo de longe, e que até hoje, são fundamentais no meu entendimento de tudo o que esta ao meu redor, me mostrando sempre o caminho certo, o do diálogo, o do meio...

Um novo brinde, e dessa vez a vocês.
Carol

03/01/2010

Escolhas

No meu blog antigo, eu ja tinha escrito extensivamente sobre escolhas. Mais uma vez me vejo envolta não só pelo poder que se existe em fazer escolhas, mas também pela capacidade de entender que cada uma das nossas escolhas resultam em consequências enormes.

Quase tudo nessa vida são escolhas. A gente só não escolhe as fatalidades, como nascer ou morrer... O resto, somos nós que escolhemos como levar nossa vida a diante. Com qual a medida de dignidade e força, de delicadeza e destreza, vamos a diante.

Eu passei meu ano novo questionando essa habilidade que temos de realmente honrar nossas escolhas com sinceridade. Mais precisamente, me vi novamente rodeada por mulheres que tem muito a oferecer, mas que escolheram ser unicamente mães. Nada mais. São mães em tempo integral. E existe um conflito interno geral com essa escolha que me assusta imensamente.

Ultimamente, existe aqui na América do Norte, uma pressão enorme pra que as mulheres voltem a ficar em casa, cuidando dos filhos. Existe uma percepção (ao meu ver) errônea de que essa é a única maneira de se criar crianças emocionalmente saudáveis.

Antes do Reveillón - rodeada por cinco crianças, e duas amigas que estão em negação sobre suas profundas crises emocional (porque escolheram ser mães e nada mais)  - eu estava considerando ter filhos ainda esse ano...

Depois desse turbilhão de choro, vômito, febre, e muita crise,  eu resolvi ao invés, me propor sérias reflexões e questionamentos a respeito dos temas que sempre me rodearam (e fascinaram) desde os últimos anos de colegial: quais as várias faces da mulher moderna? O que ainda nos impede de achar satisfação pessoal e prazer? Qual o relacionamento da mulher moderna com sua fertilidade e a sua função de mãe?

O que eu vi me assustou. Minhas amigas (inteligentes, viajadas, e uma vez fortes) se perdendo desesperadamente num mar solitário de ressentimentos que elas mal conseguem articular (na minha percepção, por culpa). Elas depositaram todas as suas fichas nos seus filhos, sem perceber que depositar tudo que se tem em uma conta só é um investimento ingênuo e perigoso. Principalmente numa conta tão volátil, da qual se tem tão pouco controle.

Quando deu meia-noite e meia, eu me vi sentada com meu marido, questionando tudo que eu sei, tudo o que eu não sei, e tudo que eu achei que sabia. Sentamos apenas nós dois, com um caderninho, e resolvemos escrever algumas propostas pra o ano de 2010. Não quero chamá-las resoluções, porque por enquanto pelo menos, todas as nossas anotações são possibilidades e investigações interiores.

Resolvemos dedicar o ano de 2010 as investigações e questionamentos de quem somos hoje, do que não queremos abrir mão, de quais os valores que são importantes na nossa vida...

Escolhi o ano de 2010 pra ser o meu ano. O ano em que eu vou mergulhar em mim, me permitir, pra submerjer mais forte. Mas antes que eu volte a superfície, eu quero ter a coragem de me olhar no espelho d'água (naquele momento breve e sagrado antes de vir a superfície, em que se a gente prestar atenção, nos vemos refletidos ao contrário) e me perguntar: o que eu quero pra mim? Quem sou eu? Qual é realmente a minha missão, a minha contribuição pra esse mundo?

Uma das primeiras coisas que me veio a cabeça, assim, meio do nada, levada pela energia que passei a mer permitir acessar, foi que eu tinha que ler o livro da Elizabeth Gilbert "Comer, Rezar, Amar - A busca de uma mulher por todas as coisas da vida na Itália, na India e na Indonésia".  Duas mulheres que eu conheci por aqui ja tinham brevemente comentado sobre esse livro há algum tempo. E como geralmente acontece comigo, são os livros que me pedem pra lê-los. Esse veio na minha mente durante a noite de ano novo com uma força arrebatadora. Quase que como se agora, eu estivesse pronta pra lê-lo.

O que estou me propondo pro ano de 2010, é uma viagem extensa, detalhada, e aberta do meu ser, do meu interior. Coincidentemente, é justamente o ano em que eu faço 30 anos. Existe algo de cabalístico nisso tudo. 2010 termina numa soma 3, meu aniverário é no dia 3 do mês 12, que também, somado dá 3... Os dígitos de 30 anos somados dão 3... Três é o número perfeito. É a condição do triângulo, da forma geométrica mais sólida que há nesse mundo, da santa trindade... Me dei conta de tudo isso agora, enquanto eu escrevia... Mas me apetece a cada momento, e reinforça que 3 é realmente um número mágico, e que assim como também percebeu Elizabeth Gilbert (não acredito que por coincidência), contém uma força mística impressionante.

Como eu não tenho dinheiro ou tempo pra buscar todas as coisas da vida em outros continentes, me resolvi por uma busca um pouco mais barata, porém não menos autêntica. Vou buscar fontes de prazer, fé, e amor em mim, e ao meu redor, com toda minha honestidade e força.

Comecei portanto, ao comprar o tal do livro. Mas fui comprá-lo sozinha.. Me dei a oportunidade de sentar num café delicioso, e tomar meu chocolate-quente favorito do Star Bucks (non-fat, no whip, just drizzle, please). E saboreando os dois - o chocolate, e o livro - comecei no dia 02 de Janeiro de 2010, a minha jornada.

Pretendo documentá-la e terminá-la até o dia 02 de Dezembro - e me dar essa jornada de presente pra mim, e pra quem mais quiser dividí-la comigo, de aniversário... Pra onde vamos (eu, meu marido, e qualquer amigo ou leitor que venha a acompanhar essa viagem) eu não sei. Nem qual as resoluções a que vamos chegar. Mas pretendo relatar por aqui, uma vez por semana, descobertas que venham a ser fundamentais pra o meu entendimento da minha condição de mulher moderna e qual o meu lugar no mundo.

Fica aqui então meu brinde - sem filhos, sem resoluções, sem promessas.
De coração aberto e pés no chão, que venha o mistério da vida.
Que venha 2010.