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(O Porto Feminino é um blog sem fins lucrativos, que existe desde 2007. Todos os textos foram escritos por Carolina Miranda, e são portanto de autoria original. Não existe qualquer vínculo entre o Porto Feminino e o Porto Feminino Shop).

18/01/2010

Diálogo - ou "o caminho do meio II"

     Semana passada recebi novamente, emails carinhosíssimos de amigos e famiília. O da Mari e o da minha tia Dadá me marcaram bastante, porque elas comentaram o quanto se comoveram com meus últimos textos. Eu realmente me surpreendi. Eu nunca escrevo achando que vou conseguir comover alguém. Aliás, eu raramente espero que alguém realmente leia o que eu escrevo, sem ser meus pais, meu marido ou meu irmão. E me levar a sério então... 
     Não porque eu não tenha coisas sérias a dizer, ou sinceras. Mas porque eu realmente não me acho lá essas coisas. Na verdade, quando eu páro pra pensar no que eu já fiz, ou não fiz ainda, me dá sempre uma angústia de que a vida vai passar por mim e eu não fiz juz. E isso é uma das (milhares) questões a que eu pretendo trabalhar esse ano. 
No ano passado, eu fiz muita terapia. Existe uma insegurança dentro de mim que sempre me dá uma sensação de não ter contribuído muito pra esse mundo o quanto eu deveria, e ter tirado muito mais proveito dele do que eu merecia. 
     Enfim, durante a terapia, eu descobri que existem muitas razões pra isso e que me afetaram muito mais profundamente do que eu sequer teria desconfiado quando era mais nova. Algumas delas estão diretamente ligadas a escolhas que eu fiz (e que não devia ter feito), e outras a fatores dos quais eu nunca tive qualquer controle. 
     Um deles, e que eu tive que realmente encarar na terapia, é o meu profundo mêdo da perda, e óbviamente da perda suprema: a morte. Porcausa da recente morte do meu avô, e do email da minha tia Dadá, e da minha amiga Mari (que não falava de morte necessariamente, mas falava de mudanças, e eu sempre associo mudanças com perdas), eu acho que vale a pena refletir e dividir com quem quiser ler, o que eu tenho descoberto sobre a morte. 
     Aqui no Canadá, eu tenho aprendido que existem outros jeitos de se lidar com a morte, e que o nosso aí no Brasil não é necessariamente um dos mais saudáveis (antes de me acusem de anti-nacionalista, o tempo que eu passei aqui também me mostrou tudo de bom que a gente tem por ai, e que eles não tem aqui. Mas isso é outro capítulo). 
     Por exemplo, faz 20 anos que minha avó Aurora morreu, e foi essa morte, antiga, que já deveria realmente ter sido enterrada, que me levou no ano passado a voltar pra terapia. Eu percebi que a falta que minha avó fazia ainda me comia a alma. Eu mal podia falar nela que eu ainda soluçava, chorava... Porém o que realmente me remoeu por todos esses anos não foi o fato da minha avó ter morrido. Eu comecei a perceber que o trauma de ter perdido ela tão de repente (morreu da noite pro dia, aos 52 anos, eu acho, depois de uma cirurgia), mais o fato de não me terem deixado ir ao velório (porque na cultura brasileira velório não é "coisa" pra criança), o fato da gente ai no Brasil ter que expressar nossa tristeza apenas de uma forma negativa, chorando muito, ou se guardando, tudo isso cria uma vivência da morte extremamente traumática, e negativa. Eu inclusive tenho a impressão de que o dia que a gente para de chorar ai no Brasil, é como se a gente tivesse perdido o amor por quem morreu, ou como se a gente tivesse parado de sentir falta da pessoa que a gente perdeu... Respirar e dar a volta por cima, sorrir diante da morte ao lembrar os momentos bons, isso não é uma reação fácilmente aceita no Brasil (imagina não chorar no velório!). Mas o que eu tenho visto aqui é que a gente pode realmente tocar a vida pra frente, de verdade, sem perder a memória, o amor, o carinho pela pessoa que se foi. 


     A minha lista da terapia (e de perdas) é grande: eu mudei de escola pra escola, perdi amigos, perdi cachorros (aliás, tem dois cachorros meus de infância, o Dickie e o Rajá que custaram umas três seções terapeuticas inteiras), perdi amigos, perdi família, perdi casas, perdi o que eu sabia, os lugares que eu conhecia. Não estou culpando meus pais não, porque eu sei (hoje) que eles fizeram sempre o que acharam que era melhor pra família toda. Mas eu acho que em algum momento, a gente merece refletir sobre o que marcou nosso passado, pra tentar entender melhor pra onde a gente quer ir no futuro. 
     No fim, eu cresci assim: vivendo perdas e mais perdas, e quando eu virei adolescente, ja não sabia viver sem perder. Dai vem a sensação de que eu estou sempre perdendo alguma coisa com cada escolha de vida que eu faço. E de que qualquer mudança implica só em perda (na minha cabeça), e de que qualquer morte, é um buraco na vida. Na verdade, eu acho inclusive que eu fiz escolhas próprias na minha vida ja sabendo que eu ia perder alguma coisa, ou alguém, porque no fim, essa loucura toda virou um estilo de vida - porque por muitos anos, era a única vida que eu conhecia.
     Hoje eu estou tentado me permitir. Me permitir sentir, me permitir perdoar, me permitir ficar, me permitir ganhar, me permitir amar, me permitir estar. Me permitir olhar pro que eu tenho ao meu redor, e reconhecer as minhas bençãos, sem mêdo do que ficou pra trás ou do que nem veio ainda. Quando eu preciso chorar, eu choro. Mas também fiz um pacto comigo pra me permitir lembrar o que deu certo, do carinho que me foi oferecido, e me permitir lembrar dos meus cachorros, da minha avó, ou do meu avô com alegria e orgulho. 
     E como eu disse pra minha tia,  não sinto mais culpa em lembrar deles sem querer chorar. Não significa que eu não os amo mais. Significa que simplesmente que eu estou em paz comigo mesma, e paz interior, pra mim pelo menos, é um dos sentimentos mais profundos e preciosos que podemos ter. Eu realmente não acho que é amor, não. Amor é delicioso, mas pode ser também perigoso e destrutivo e faz parte dessa vida romântizada com a qual a gente é criado ai no Brasil. Hoje, pra mim, o melhor amor é aquele que traz paz, tranquilidade, serenidade, e segurança. Sem culpa nem mêdo. 
     Outro remorso frequentemente presente na minha terapia é o fato de eu ter ido embora do Brasil. Não tem outro jeito de ser mais direta e sincera do que dizer claramente: é foda. Não o fato de eu estar longe. Mas o fato de eu sentir todas as perdas de longe. Meus avôs morreram e eu não estava ai (bom, pelo menos empatou - não estive presente quando nenhum dos dois morreram). Meus amigos casaram e eu não estava ai. Meus primos estão começando a ter filhos, e eu não estou ai. E toda vez que eu falo com minha avó no telefone, ela me lembra da tortura a qual eu a inflingi - daquele jeito bem português dela mesmo. Cheio de saudade e amargura carregada desde a época de Camões. 
     O que eu posso dizer a respeito desse tópico é o seguinte: eu também estou aprendendo a me permitir, a sentir menos culpa, a sentir mais prazer, e a ver que de alguma maneira, tudo nessa vida realmente se encaixa uma hora ou outra. Que Deus, seja lá "O que" ele for, é realmente um arquiteto do tempo, da vida, e do cósmos. Porque no fim, daqui de longe, eu  ganho (e divido) uma certa distância que me permite olhar pra minha família, e pra mim mesma, com outro ângulo, acrescentando mudanças as vezes bem-vindas, as vezes necessárias. Foi justamente essa distância, essa saudade por exemplo, que me forçaram a remexer nas minhas raízes portuguesas. Me enfiei na cozinha, e aprendi a fazer caldo verde e bolinho de bacalhau, me apaixonei pelo fado, e por cantores contemporâneos como a Sara Tavares. 
     De agora em diante, eu tento honrar mais conscientemente as minhas escolhas (que é o ponto de partida da busca desse blog - será que felicidade é saber simplesmente honrar o que a gente vive?). Sim, eu vim embora. Mas não significa que é fácil, que não dói. Também não significa que eu não tenha encontrado preciosidades, que eu não tenha crescido de uma maneira que possa acrescentar algo novo na vida de pessoas queridas que não vieram comigo. Por exemplo, quando meu avô Mané estava morrendo, eu conversei muito com minha mãe e tentei dividir um pouco, pelo telefone, o que eu achava que aquele momento poderia ser - não só dor. E eu acho que se eu estivesse ai, isso não teria acontecido porque eu não teria tido a oportunidade de aprender a sentir com a morte através de uma outra cultura. Porque no fim, foi aqui nessa outra cultura (menos portuguesa, menos católica), que eu aprendi a olhar pras minhas perdas e pras minhas escolhas com menos culpa, com menos sofrimento, passando a ver nesses momentos, oportunidades de celebração, de perdão, e de delicados laços.
     No fim, eu estou aos poucos, perdendo o mêdo de perder quando algo muda. Eu estou aprendendo a olhar pro que eu ganhei, pro que veio com essa mudança. Eu estou aprendendo a resgatar dentro de mim - e só dá pra achar a minha verdade dentro de mim - o que foi me dado dos meus avós, o que me deram meus cachorros de infância... É com eles, de certa forma, que eu planto jardins de rosas, que eu cozinho com gosto, que eu jogo sinuca e bebo uma pinguinha de vez em quando, e que eu adotei a cadela mais fofa do mundo! 


     Mudança assusta. Perda mais ainda. Morte nem se fale. Mas no fim, a gente tem uma vida inteira pela frente que tem que ser vivida. O que vem depois, eu não sei. Mas nessa aqui pelo menos, eu quero me permitir viver com gosto. Viver com a sensação de que por mais pequena que eu seja, eu sou parte de um todo muito, muito maior. E a esse todo, eu devo a satisfação e a contribuição de viver bem, em harmonia comigo e com o meu próximo, espalhando um mínimo de delicadeza.
Até,
Carol


2 comentários:

Ilzete disse...

Oi meu amor, só posso te dizer que acho que voce está no caminho certo, e que as nossas perdas de certa forma sempre fizeram e farão parte das nossas vidas, cabe a nós fazermos delas algo suave pra nossas almas.
Sem dúvida é muito gostoso lembrarmos dos nossos entes queridos com suavidade, as vezes me pego lembrando e até falando do vovô e rindo muito porque ele era uma figura muito engraçada e cheio de historias, mas outras vezes tambem choro copiosamente sem motivo aparente, acho que é quando lá no fundo a saudades aperta o coração e aí pronto não tem jeito e essa saudades desaba em lágrimas que são rápidas porque logo penso na figura que ele era e começo a rir.
E a vida está aqui pra ser vivida da melhor maneira possível, seja no Canadá , na Espanha, na Asia, no Brasil, onde quer que seja o importante é sabermos viver bem e nos acercarmos de pessoas queridas, de amarmos,de aproveitarmos o que o lugar onde escolhemos tem pra nos oferecer.
Tem um texto que ganhei junto com uma escultura que eu gostei tanto que fica aqui junto do meu computador onde de vez em quando eu leio e diz o seguinte: " Cada dia vivido é uma vitória, corpo e alma unidos são um prêmio em si, manter a chama acesa já é outra história pra poder dizer hoje eu vivi".
Beijos Grandes, te amo.
Mamis
PS> A tia Cris me disse que leu seu texto anterior e que amou mas não sabia onde escrever pra voce tá e que era pra eu te dar o recadinho heheh. Bjs

Patrizia disse...

Carol,
Me identifiquei com a parte que voce fala sobre a escolha de partir, nao havia descricao melhor do que eh "foda", com o perdao da sinceridade. Eh uma escolha acompanhada por uma dose de culpa que me assombra. E da medo. E concordo com voce que aceitar e enteder as consequencias dessas escolhas nos fazem enxergar o todo, que eh muito maior que as partes: O significado das nossas conexoes, dos nossos encontros e o profundo significado da nossa vida.
E as vezes eu paro para pensar que nao existe outro signicado para nossa existencia senao o de amar as pessoas e conectar com o maximo delas para que a propagacao do amor seja maior e mais ampla.
O que nos faz preciosos e a capacidade de amar e trocar.
E nos tornamos unicos qdo nos comprometemos com algo ou alguem. Exemplos nao faltam: como o "pequeno principe" , como a relacao dos seus avos com vc, de vc com o Mike, de vc com seus pais e irmao, de voce com a Lolla.
Se voce assumir o compromisso e enfrentar o medo das perdas, a maternidade seria como resposta sem maiores dilemas.
Esses dias conversando com a minha mae, e tambem questionando maternidade, ela me disse algo profundo que me marcou: ser mae eh o unico amor que supre a abundancia de amor que a mulher tem a oferecer. Filho eh a unica coisa que supre esse amor. O amor apaixonado de homem/ mulher nao eh suficiente. Parece que sobra amor, que sobra dedicacao, e o filho eh a unica coisa que supre e completa essa "insatisfacao" de doacao de amor.
Respondeu minhas duvidas. Fora o fato do poder de ser o ELO entre as geracoes... Nos somos responsaveis por" COSTURAR" tudo isso. Nao "costurar" eh uma decisao que tomamos nao so por nos, mas por toda a nossa familia. A gente eh responsavel por propagar nossos ancestrais; eles vieram, cumpriram suas missoes, deixaram legados, deixaram amor. Eu conclui que isso era muito mais importante do que apenas a minha decisao de ter ou nao filhos. Eu respondo por muito mais gente que veio antes de mim e eu nao acho certo interromper essa cadeia, apesar de todos os conflitos e contradicoes.
E o mundo precisa de mais gente?
Eu tambem me pergunto isso.
Entretanto eu nao duvido da sua capacidade e potencial de amar. E acredito que a sua contribuicao seria de extrema importancia para esse mundo, seja criando novas caroizinhas ou potencializando as tantas criancas ja existentes. Acho que a unica coisa que nao da eh voce nao assumir esse compromisso.
"Nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o que, com freqüência, poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar." Shakespeare

Qdo paramos para pensar acho que nossa vida nao teria sentindo se noa fosse pelas pessoas que nos cercam e nos amam, assim como os nossos momentos mais felizes sao com essas pessoas.

Boa sorte para nos nesse momento de questionamento, reflexoes e descobertas que nos encontramos. Que nos estejamos em paz e felizes com nossas decisoes!